quarta-feira, 23 de março de 2011

As lovers go

Ela tem vergonha de receber buquês de rosas, encabula-se com pomposos ramalhetes em demonstrações públicas de afeto, mas sorri ao ver aquela rosa solitária, quase tímida com um quê de flor roubada no jardim.

Uma flor que em sua solidão faz tremer a mão do amante, e consegue mudar toda a atmosfera do ambiente só por estar lá e só. E, de repente, por ela existir e ser só, as vozes dos transeuntes desaparecem, tal qual os rostos e feições. Por ser só, eu a estou segurando e nada mais existe no mundo senão as palpitações do meu coração, e os movimentos do rosto dela ao me avistar.

E os espinhos da rosa não são mais ásperos, o perfume da flor importa menos que o dela.

Por um momento raro, com duas mãos segurando tal delicadeza próxima a meu corpo. E eu devo estendê-la, ofertá-la. Não como um grande conquistador, porque ela está só. Devo oferecê-la com timidez, quase querendo desistir de dar o presente. Não devo ficar orgulhoso do meu ato, nem agir com frieza. Tenho que ser atrapalhado, inseguro, e de certa forma inocente.

Sou eu e a rosa, e agora percebo que eu quem estou só. A rosa está muito bem, linda como sempre e exuberante. Protegida em sua fragilidade, expondo minhas mãos ao perigo.

Mas não deve ser difícil dar uma rosa.

Talvez se eu não dissesse, ninguém notaria que ela está lá. Acontece que eu disse, e isso muda tudo, muda o clima, o ambiente e o sorriso dela. Muda as palpitações do meu coração, e tudo aquilo que disse antes sobre os transeuntes. Mudam as cores. Muda a direção do vento que sopra minha nuca só para dar frio na espinha.

Então, enquanto estou estático, paralizado no meio do ato da entrega, ela faz a metade do serviço e pega a rosa das minhas mãos. E eu sorrio de modo comedido, sem orgulho, mas com alegria sincera. E ela sorri de volta como a mulher mais nobre do mundo, com gratidão e sutileza, mas que me deixa leve e grato por presenciar tal sorriso.

E tudo foi simples. Como tinha que ser.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Time

Leve como brisa, o tempo nos leva. Distraídos, a gente deixa se levar, de cabelos ao ar e sem pensar em nada. Não é tempo de ter os pés no chão, mas sim curtir esta sensação de não ter gravidade alguma nos pressionando contra o duro chão. Perdidos no tempo, podemos ser tudo e refazer todas as nossas escolhas. Não há linearidade, e sim uma sequência de fatos que organizamos a nosso bel-prazer, como um álbum de fotos ou vídeo editado, como cada frase de uma história que é escrita.

Assim é a vida, até o ponto onde temos controle de tudo, com fé inabalável e confiança de quem enxerga um tabuleiro de xadrez antevendo todas as jogadas de seu adversário. Você sabe que pode demorar, mas é uma questão de tempo até ter a coroa do outro rei aos seus pés. E, nesta hora, quando você tem o controle e dita as regras, colocando as peças onde quer sempre atingindo seu objetivo. Quando o coração palpita e você dá xeques com destreza, cada vez mais próximo da vitória... É nesta hora que a distração toma seu pensamento.

Aí a brisa vira tormenta, e o tempo não é nada menos do que tiques e taques na sua cabeça, em uma contagem regressiva para sua própria queda. A cada movimento desesperado, e por muitas vezes mal pensado, você tenta adiar o fim parando seu relógio e empurrando a pressão para seu adversário. De repente, os xeques estão contra o seu rei, e cada gota de suor é um cálculo que fugiu do seu pensamento e foi para o ralo. Um cálculo necessário, quase condicional para que não seja sua coroa tombada no quadriculado do tabuleiro.

E isso é a gravidade.

O suor caindo, um rei tombando, a leveza do ar virando pressão sobre nossos ombros. É a força do ponteiro correndo, o jogo se invertendo, o peso de um xeque contra você. É o botão do relógio que para e zera, e recomeça o jogo.

E a gravidade vira leveza de novo, nesta não-linearidade que é viver.