quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

And I just can't tell just what tomorrow brings

O cheiro da grama verde vinha junto com a alvorada, e aí abria-se um mundo com árvores de amora para subir, gado pastando tranquilo e um riacho cortando a pequena propriedade. A água fresca convidava a molhar os pés, ou às vezes até a se banhar naquela pequena e rasa correnteza. A vida já foi assim: comer o ovo que a galinha acabou de botar e montar no pangaré enquanto ele espantava as moscas com o rabo, não sem antes passar pela estradinha de terra que dava acesso àquele cantinho tão especial.

E o mundo girou.

De repente, uma terra de subidas e descidas. Totalmente estranha, com pessoas diferentes. Uma mudança às pressas, notícias tenebrosas no noticiário e, enquanto o repórter relatava o ocorrido, via-se ao fundo o pequeno estabelecimento de nome inconfundível. Foi a primeira visão de onde passaria vários anos, atrás de um balcão fazendo contas atrás de contas. A noção de trabalho veio cedo, junto com pequenas atribuições que foram virando responsabilidades cada vez mais pesadas. O aprendizado do comércio, de evitar a malandragem dos outros, de pensar rápido e solucionar problemas. De lidar com gente mais velha e menos responsável que uma mera criança.

E o mundo deu mais uma volta.

De repente, agora eram as atividades domésticas. As brigas em casa por tarefas simples. A conquista de se fazer cada refeição, de saborear um delicioso prato que nunca pensou ser capaz de fazer. A alergia ao pó. A roupa amarrotada. A vontade de mudar, os planos que nunca realizaria, o sonho de vida que mudaria. Uma paixão nova, música para os ouvidos. Acordes de guitarra, baterias, sons ensurdecedores. O pequeno conservatório de música, as grandes lições, a primeira vez no palco, o show inesperado, os aplausos.

As cortinas fechadas.

De volta ao balcão, desta vez balcão de bar. O testemunho dos bons e também dos catastróficos resultados da bebida. A vida difícil, sem hora pra sair. As noites quase não dormidas, a malandragem como cliente. As novas lições passadas por pessoas humildes. O fogo quente, o óleo quente, a pilha de louça cheia de gordura. Sem tempo para comer com fartura de alimentos. As caixas pesadas, a cerveja quente, a cerveja congelada. A porrada na cara, o pivete que levou suas coisas. O amor de pai, mãe e irmã. As brigas em família e as diversas superações. A prova que decidiu tudo.

O caipira na cidade grande.

A paixão: aquela avenida. O boteco de calçada. Mais noites sem dormir. Fins de semana nos livros, muita cafeína. Uma partida dolorosa que rendeu o mais gostoso retorno. As novas paixões. As letras. As viagens em grupos. Os vários livros iniciados. O primeiro salário. O segundo emprego. Várias brigas e reconciliações. O desespero. A carga pesada, o desânimo. O pedido de ajuda que mudou tudo, que sem pensar em lucros trouxe a maior recompensa. Os olhos verdes.

O discurso.

Sentir uma presença mesmo distante. Ganhar uma alameda inteira de presente, e de brinde um colo macio para deitar. Aprender muitas coisas novas sobre a vida. Apreciar a chuva. Fazer planos para esta noite, para o próximo feriado, para uma década. Sonhar com pessoas que não existem. E os novos sabores que chegaram, com o prazer de ser criança novamente. A simplicidade que a vida tem, poder conhecer o mundo, se maravilhar e mesmo assim querer voltar. Trazer várias recordações, não ter palavras para descrever como a vida é bela, até que outros aspectos da vida exigem novos planos. E de repente traçar metas de mãos dadas, apenas aguardando: quando este vento soprar, é bom estar de malas prontas.

Porque o mundo nunca vai parar de girar.