quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

And I just can't tell just what tomorrow brings

O cheiro da grama verde vinha junto com a alvorada, e aí abria-se um mundo com árvores de amora para subir, gado pastando tranquilo e um riacho cortando a pequena propriedade. A água fresca convidava a molhar os pés, ou às vezes até a se banhar naquela pequena e rasa correnteza. A vida já foi assim: comer o ovo que a galinha acabou de botar e montar no pangaré enquanto ele espantava as moscas com o rabo, não sem antes passar pela estradinha de terra que dava acesso àquele cantinho tão especial.

E o mundo girou.

De repente, uma terra de subidas e descidas. Totalmente estranha, com pessoas diferentes. Uma mudança às pressas, notícias tenebrosas no noticiário e, enquanto o repórter relatava o ocorrido, via-se ao fundo o pequeno estabelecimento de nome inconfundível. Foi a primeira visão de onde passaria vários anos, atrás de um balcão fazendo contas atrás de contas. A noção de trabalho veio cedo, junto com pequenas atribuições que foram virando responsabilidades cada vez mais pesadas. O aprendizado do comércio, de evitar a malandragem dos outros, de pensar rápido e solucionar problemas. De lidar com gente mais velha e menos responsável que uma mera criança.

E o mundo deu mais uma volta.

De repente, agora eram as atividades domésticas. As brigas em casa por tarefas simples. A conquista de se fazer cada refeição, de saborear um delicioso prato que nunca pensou ser capaz de fazer. A alergia ao pó. A roupa amarrotada. A vontade de mudar, os planos que nunca realizaria, o sonho de vida que mudaria. Uma paixão nova, música para os ouvidos. Acordes de guitarra, baterias, sons ensurdecedores. O pequeno conservatório de música, as grandes lições, a primeira vez no palco, o show inesperado, os aplausos.

As cortinas fechadas.

De volta ao balcão, desta vez balcão de bar. O testemunho dos bons e também dos catastróficos resultados da bebida. A vida difícil, sem hora pra sair. As noites quase não dormidas, a malandragem como cliente. As novas lições passadas por pessoas humildes. O fogo quente, o óleo quente, a pilha de louça cheia de gordura. Sem tempo para comer com fartura de alimentos. As caixas pesadas, a cerveja quente, a cerveja congelada. A porrada na cara, o pivete que levou suas coisas. O amor de pai, mãe e irmã. As brigas em família e as diversas superações. A prova que decidiu tudo.

O caipira na cidade grande.

A paixão: aquela avenida. O boteco de calçada. Mais noites sem dormir. Fins de semana nos livros, muita cafeína. Uma partida dolorosa que rendeu o mais gostoso retorno. As novas paixões. As letras. As viagens em grupos. Os vários livros iniciados. O primeiro salário. O segundo emprego. Várias brigas e reconciliações. O desespero. A carga pesada, o desânimo. O pedido de ajuda que mudou tudo, que sem pensar em lucros trouxe a maior recompensa. Os olhos verdes.

O discurso.

Sentir uma presença mesmo distante. Ganhar uma alameda inteira de presente, e de brinde um colo macio para deitar. Aprender muitas coisas novas sobre a vida. Apreciar a chuva. Fazer planos para esta noite, para o próximo feriado, para uma década. Sonhar com pessoas que não existem. E os novos sabores que chegaram, com o prazer de ser criança novamente. A simplicidade que a vida tem, poder conhecer o mundo, se maravilhar e mesmo assim querer voltar. Trazer várias recordações, não ter palavras para descrever como a vida é bela, até que outros aspectos da vida exigem novos planos. E de repente traçar metas de mãos dadas, apenas aguardando: quando este vento soprar, é bom estar de malas prontas.

Porque o mundo nunca vai parar de girar.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Stairway to Heaven

A coragem pra dar um passo. Um passo em vão. Às vezes diz-se apenas por dizer, para que o coração seja feliz. Não queremos certezas, não queremos respostas. Queremos um sorriso, um momento único, mesmo que amanhã tudo se evapore. Existe uma tensão única no universo, que consegue conciliar todas as nossas energias. E ela é inexplicável, intraduzível. Ela se passa num olhar ou sorriso, durante um sonho ou despertar. Ela se passa no melhor ou pior momento, na dor mais intensa ou no êxtase máximo.

De passo em passo caminha-se na poesia. Um mundo abstrato de sensações e incertezas, de dúvidas que rimam e de certezas em versos brancos. De métricas que contradizem os batimentos cardíacos e a dilatação das pupilas. De ideia que evapora num beijo, de reticências que respondem quase tudo que se precisa para viver. Arriscar-se é uma epopéia, é uma lágrima que vira oceano, é a ira de deuses em forma de ousadia.

Conquistar não é triunfar para sempre. É conseguir a eternidade em pequenas frações únicas que, em forma de memórias tornam-se parte do seu ser. É beber da fonte da vida e sentir um sabor de cada vez, quantas vezes quiser. E nesta descoberta, se redescobrir. Conseguir extender seu ser a quem o cerca. Ser capaz de amar. Ser capaz de entender o amor e deixá-lo moldar seu caráter.

Um passo. Esta é a garantia de felicidade que a vida nos dá.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

The rage of the angels left silent and cold

Por tempos tenho procurado minha alma, em vão, tentando juntar cacos de mim que não se emendam. Às vezes fico assim, tão vazio de vida que a inspiração some, então, o que mais amo passa a não mais existir. A procura por palavras é sempre uma procura de expressão de amor, e no mundo vasto e por muitas vezes cruel, elas faltam. E nessa de não saber nem como ou onde começar, vem uma vontade imensa e muda de soltar meus gritos mundo afora. Uma vontade de destruição, que acaba rasgando minha alma e dilacerando meu coração.

Eu não tento impedir.

No fundo, acho que é um desejo de me destruir e me corroer. Não porque me odeie, mas porque me amo e, acima de tudo, preciso me reinventar mais uma vez. Mas me perco no medo de escrever palavras tristes nesta história, e ser triste mais uma vez. E ser eternamente triste, buscando refúgios que eu mesmo tranquei, para que possa evoluir e ter coragem, sem nunca mais chorar desesperado escondendo minha face para os outros.

Eu sou humano e o que espalho não é só alegria. Pra falar a verdade, tem muito de triste em mim, tem muita fúria guardada mesmo nos momentos em que procuro paz. Eu sonho e amo, de uma forma tão intensa, que às vezes o mundo não basta e pareço mal agradecido aos céus. Mas deus, como eu amo o que tenho. Como eu desejo por tudo que é mais sagrado preservar a beleza de cada pétala de rosa que me foi ofertada, como eu quero que todos sintam tanto amor e me vejam como alguém que quer disseminar o que é belo. Mas, no final, ainda tenho medo de ser triste e parecer desesperado.

Talvez eu seja desesperado para sempre.

Mas a vida segue. É bom caminhar sem rumo às vezes para não viciar em caminhos prontos, em atalhos perigosos, e não andar distraído porque isso não faz bem. Talvez eu descubra muita coisa nova por onde passei que nunca antes tinha reparado. Talvez eu me reinvente aqui, sendo triste mais uma vez, sabendo que não vai ser a última. O ciclo caminha, eu falo tanto disso e não enxergo, e quando sou cinza tudo é cinza.

E quando sou feliz tudo é belo.

Nós somos belos porque o mundo nunca para de girar.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Cupid

Ele está sentado no canto do bar. Estufa o peito e abre os braços para falar, sem largar o copo baixo de wiskey, e nunca derruba uma gota. É assim, ele faz barulho quando chega, e fala alto. Às vezes é até inconveniente com isso, mas ninguém se incomoda, pois é pura empolgação. Tudo na vida, do jeito que mostra, parece novidade, parece um espetáculo no momento em que as cortinas são abertas. E as palavras são mágicas, num conto amarrado tão inabalável a ponto de ficarmos mudos sem questionar tal narrativa fantástica.

Enquanto isso, ela está cercada de amigas. Sabe curtir cada fatia deliciosa do bolo da vida, numa aventura contínua de tecer sua história sem ficar pensando nos próximos parágrafos. Relê suas próprias páginas de tempos em tempos, pois todo conto evolui. Ela diz que não, mas espera que uma hora finalmente o clímax chegue. O clímax da vida, pois, na cama, já provou muito disso. Está numa fase em que toma as decisões que lhe cabe sem pensar em julgamentos. Na verdade, sabe que os outros que devem se preocupar com seu julgamento, pois vive sem culpa numa deliciosa brisa de verão.

Quem vê os dois acha que está tudo bem. E está.

Por um acaso eles se conhecem. Já trocaram confidências e torceram um para o outro. Beberam juntos várias vezes, são ótimos amigos de copo. Cada um com seu jeito, mas na mesma espera. O que eles têm em comum é o coração puro. É a inteligência, a conversa fácil, o humor. São pessoas peculiares, dessas que podem marcar sua vida e acompanhá-la em todos os momentos. Ótimos confidentes, desprovidos de inveja e o jeito com que se entregam à vida é especial.

Quem os vê acha que não precisam mais de nada.

Mas isso já é mentira. Eles precisam. Precisam, um dia, encontrar cada qual sua cara metade. Quem sabe um dia apresentarão seus parceiros um para o outro. E o número de dois irá para quatro. E as risadas, e o gosto pela vida serão multiplicados.

Não é difícil se encantar por eles. Talvez precisem apenas das suas flechas de cupido.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Comfortably numb

Naquele momento, era impossível ouvir qualquer coisa. Era um segundo singelo, tal qual o instante exato da criação do universo, quando, em uma explosão imensurável, surgiu tudo que se conhece e pode enxergar até hoje. Enquanto ela caminhava em minha direção, o mundo ganhava vida, cada fio de cabelo ao vento era um raio de luz que vinha ao mundo, e seu abrir de olhos fez com que o mar se agitasse em ondas.

Junto com ela, nascia a história.

Em suas maçãs do rosto, surgiram todos os prazeres da vida, e, em seu sorriso, nada menos do que o amor. A ponta de seu queixo deu origem aos abismos, os mesmos em que saltaríamos com sensação de voar, numa queda infinita e sem volta. Mais ou menos entre o pescoço e o ombro, surgiu o sono confortável e os melhores sonhos. Nos braços, a firmeza e a coragem, enquanto as mãos se encarregavam de inventar a sutileza das nuvens.

No peito pulsava um coração, trazendo o ritmo que deu a luz à música e à poesia, enquanto a maciez do seu ventre permitia que o solo fosse fértil. Suas pernas fizeram com que o mundo girasse, enquanto seus pés cravavam toda firmeza moral e ética que pudesse existir.

Foi assim que surgiu o mundo, e eu senti. Senti como embrião que nada via e flutuava, senti a explosão, o calor e o ar pela primeira vez. Mesmo que não conseguisse escutar mais nada, mesmo com o cérebro formigando. Eu estava entorpecido, entorpecido dela. E, depois que ela surgiu para o mundo, em cada beijo me entorpeço de novo, no meu vício de amá-la como se um universo coubesse no meu coração.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Nice


O amor nasce do carinho com que os dedos tocam as cordas, num samba que ressoa muito tempo depois, mesmo a milhares de quilômetros de distância. Parece que o mar, após recolher as pequenas gotas de chuva que ela mandou, traz a ele a música, novamente. Ele só espera mandar um pouco de chuva para que ela possa, enfim, ter uma noite de sono repleta de sonhos bonitos. Quando a chuva aparece para ambos, um sente a presença do outro, como sempre foi.

Ele escolhe cuidadosamente as pedrinhas da praia e as lança ao mar. Quer dividir com ela aquela linda paisagem, as águas azuis que mergulham nas pedras e são puxadas de volta ao oceano. Ele quer que ela veja a imensidão daquele horizonte, os navios robustos que bóiam como se não tivessem peso, e os pescadores que, mesmo sem nada pegarem, recolhem felizes as linhas para colocar mais isca.

Longe de casa as coisas são belas, mas o coração ainda não se sente pleno. Faltam cheiros e a presença dela. Pois não há travesseiro melhor do que aquele ventre que acolhe o ouvido dele. E apenas o lugar em que eles se deitam juntos que ele considera sua cama.

Ele vê tudo de belo - as pracinhas, os toldos, as construções, a praia de pedra, as bicicletas - e clonclui: ainda vai trazê-la para ver tudo isso.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Versailles


O jardim é belo, e quando bate o sol, os lagos colaboram com reflexos que emprestam brilho às plantas cuidadosamente esculpidas e organizadas. Há poucas flores e cores, e há estátuas e bancos frios, mas a grama cresce em simetria, conduzida pelo som de orquestra que paira no lugar. Cada pé que toca as pedrinhas do chão carrega uma história, mas o deslumbre pela imensidão do lugar é quase o mesmo. A grama é tão convidativa que, suave, o sol também recosta sobre ela.

E quantos pensamentos flutuam neste bosque. Em cada passo, uma sensação.

Por todos os lugares, as pessoas fazem questão de registrar sua passagem. As crianças, animadas, andam e correm neste espaço sem igual. Quando há vastidão, há também liberdade. Como sempre deve haver no pensamento.

Sim, há muito o que ser visto. Mas assim é o mundo: um grande jardim a ser explorado, com deslumbrante vastidão. E nossa passagem por ele não deve ficar em branco, pois cada segundo é importante, mesmo se ele for temperado por uma saudade crônica que bate quando deixamos de olhar para fora e decidimos enfim olhar para dentro. Não importa. O coração deve sorrir mesmo com este peso, pois esta é a escolha do aventureiro, irremediável.

E, se o peso começar a ficar muito latente, basta abrir o caderninho onde estão as memórias, revê-las e deixar as novas escoarem. Elas descerão como gotas de chuva para molhar o coração de quem está longe.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Paris


Os paralelepípedos das ruas sobressaem aos olhos, enquanto a paisagem rústica se contrasta com a modernidade dos automóveis. São séculos diversos coexistindo num mesmo tempo e espaço geográfico.

As pessoas.

Vários tipos e línguas confrontam-se na linguagem pura, que só busca o entendimento. O vento frio paralisa, justificando a calma do trânsito de pessoas e carros.

Não é preciso observar muito para sentir a diferença de atmosfera. E mesmo lugares nunca antes visitados confrontam-se com as memórias. Somam-se os lemas, o contos que a própria história ficou encarregada de narrar através dos fatos. E a torre. Sempre imponente a posar para fotos que correram pelo mundo todo. Aquela imagem já era eterna.

Havia rios e pequenos lagos. E, pela noite, luzes deslumbrantes que enchiam os olhos de alegria.

Para ser transportado de volta por breves momentos, bastava ler um pedaço de papel e pronto. Estaria sentado em um banquinho do outro lado do oceano, no calor. E foi então que se lembrou daquele gosto peculiar.

Aquele gosto que descrevia os mais belos jardins da cidade. Um gosto que outrora nem era apreciado, mas, que por ter tanto a ver com ela, tinha se tornado seu favorito. De repente, ao abrir a embalagem e levar o doce sabor à boca, relembrando os momentos, a letra da música e o cheiro, ele a sentiu perto.

Tudo ficou mais bonito: a cidade tinha o gosto dela.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Riding nowhere

Eu ando cansado.

Só queria voltar a um dia chuvoso como este, um dia perfeito. Um dia de preguiça, quando pude aproveitar os braços que sempre estão abertos para me acolher. Sair para passear sabendo que o único compromisso do dia é um jantar à luz de velas, com um vinho de boa safra nos esperando.

Quero aquela preguiça, com almoço descomprometido com direito a cervejinha pela tarde, vendo TV e deixando o sono chegar. E aquecido, vendo o frio lá do lado de fora, a gente escutava o barulho da chuva que caía devagar só para deixar tudo perfeito em detalhes. As cobertas eram nossa proteção contra o resto do mundo, e ali estávamos aconchegados, com a sensação mais atordoante que poderíamos ter.

Preciso de um dia de fuga, no qual a rotina não entre. E aquela sensação de ansiedade, com malas prontas para fugir e só voltar quando bem entender. Porque qualquer fuga é uma aventura. A pressa é grande para se chegar a um tão almejado destino, ao saber que lá não mais serei importunado. Contando dias, horas, minutos e segundos, até que finalmente um banho quente e a cama me digam que já cheguei.

Acho que não quero nada de espetacular. Quero um dia igual a este, só que melhor.

quarta-feira, 23 de março de 2011

As lovers go

Ela tem vergonha de receber buquês de rosas, encabula-se com pomposos ramalhetes em demonstrações públicas de afeto, mas sorri ao ver aquela rosa solitária, quase tímida com um quê de flor roubada no jardim.

Uma flor que em sua solidão faz tremer a mão do amante, e consegue mudar toda a atmosfera do ambiente só por estar lá e só. E, de repente, por ela existir e ser só, as vozes dos transeuntes desaparecem, tal qual os rostos e feições. Por ser só, eu a estou segurando e nada mais existe no mundo senão as palpitações do meu coração, e os movimentos do rosto dela ao me avistar.

E os espinhos da rosa não são mais ásperos, o perfume da flor importa menos que o dela.

Por um momento raro, com duas mãos segurando tal delicadeza próxima a meu corpo. E eu devo estendê-la, ofertá-la. Não como um grande conquistador, porque ela está só. Devo oferecê-la com timidez, quase querendo desistir de dar o presente. Não devo ficar orgulhoso do meu ato, nem agir com frieza. Tenho que ser atrapalhado, inseguro, e de certa forma inocente.

Sou eu e a rosa, e agora percebo que eu quem estou só. A rosa está muito bem, linda como sempre e exuberante. Protegida em sua fragilidade, expondo minhas mãos ao perigo.

Mas não deve ser difícil dar uma rosa.

Talvez se eu não dissesse, ninguém notaria que ela está lá. Acontece que eu disse, e isso muda tudo, muda o clima, o ambiente e o sorriso dela. Muda as palpitações do meu coração, e tudo aquilo que disse antes sobre os transeuntes. Mudam as cores. Muda a direção do vento que sopra minha nuca só para dar frio na espinha.

Então, enquanto estou estático, paralizado no meio do ato da entrega, ela faz a metade do serviço e pega a rosa das minhas mãos. E eu sorrio de modo comedido, sem orgulho, mas com alegria sincera. E ela sorri de volta como a mulher mais nobre do mundo, com gratidão e sutileza, mas que me deixa leve e grato por presenciar tal sorriso.

E tudo foi simples. Como tinha que ser.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Time

Leve como brisa, o tempo nos leva. Distraídos, a gente deixa se levar, de cabelos ao ar e sem pensar em nada. Não é tempo de ter os pés no chão, mas sim curtir esta sensação de não ter gravidade alguma nos pressionando contra o duro chão. Perdidos no tempo, podemos ser tudo e refazer todas as nossas escolhas. Não há linearidade, e sim uma sequência de fatos que organizamos a nosso bel-prazer, como um álbum de fotos ou vídeo editado, como cada frase de uma história que é escrita.

Assim é a vida, até o ponto onde temos controle de tudo, com fé inabalável e confiança de quem enxerga um tabuleiro de xadrez antevendo todas as jogadas de seu adversário. Você sabe que pode demorar, mas é uma questão de tempo até ter a coroa do outro rei aos seus pés. E, nesta hora, quando você tem o controle e dita as regras, colocando as peças onde quer sempre atingindo seu objetivo. Quando o coração palpita e você dá xeques com destreza, cada vez mais próximo da vitória... É nesta hora que a distração toma seu pensamento.

Aí a brisa vira tormenta, e o tempo não é nada menos do que tiques e taques na sua cabeça, em uma contagem regressiva para sua própria queda. A cada movimento desesperado, e por muitas vezes mal pensado, você tenta adiar o fim parando seu relógio e empurrando a pressão para seu adversário. De repente, os xeques estão contra o seu rei, e cada gota de suor é um cálculo que fugiu do seu pensamento e foi para o ralo. Um cálculo necessário, quase condicional para que não seja sua coroa tombada no quadriculado do tabuleiro.

E isso é a gravidade.

O suor caindo, um rei tombando, a leveza do ar virando pressão sobre nossos ombros. É a força do ponteiro correndo, o jogo se invertendo, o peso de um xeque contra você. É o botão do relógio que para e zera, e recomeça o jogo.

E a gravidade vira leveza de novo, nesta não-linearidade que é viver.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

You shook me

Do outro lado da mesa, nada menos que figura esplêndida em formato de garota que veste seu tênis favorito para um dia especial. Ela era a maior das distrações, deslumbrante beleza e companhia perfeita para um pequeno petisco e conversa de bar. Tão linda que deixá-la se dar ao trabalho de erguer a mão para requisitar o garçom seria fatal descuido. No seu riso, um olhar fulminante daqueles de perder o rumo. Então, estremecido, você não consegue fazer mais nada que não seja desejá-la desesperadamente, pois depois de abrir a guarda sua vida disso depende.

De tão irresistível que ela estava, o céu também quis tocá-la, surpreendendo-a com chuva repentina, enviada apenas para acariciá-la os cabelos pouco antes de ela se abrigar. E tudo isso complica, pois a concorrência divina é adversário ferrenho que não dá brechas, ainda mais para alguém que achou um belo par de olhos e perdeu o rumo.

Então ela ri. E cada riso é mais um pedaço de punhal que se afunda no seu peito. Cada vez que ela entorna o copo sem perder contato visual com você é um arrepio diferente na espinha. As mãos se tocam enquanto a bandinha cede às dedicatórias, numa trilha sonora composta pelas vontades dos expectadores com o que há de mais belo e empolgante. Enquanto isso ela brinca, debocha, encanta.

Quando se dá conta, vocês estão indo embora. Embriagados pelo clima daquela noite magnífica, trepidam pela rua numa recusa de voltar para casa. E você sabe que não pode deixá-la escapar, tem que aproveitar este momento, pois suas pernas pararam de tremer. Ela provoca, você responde. Ela acha que vai sair ilesa, mas você resolve ir de peito aberto, pois nada mais atinge seu coração.

Ela beija você.

E suas pernas tremem novamente.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Hands Down

Parece que agora todas as memórias vêm a tona para atordoar. E daí eu esqueço de tudo e penso: como a vida pode ser assim tão boa? Parece que tudo é construído de ternura, a despeito do uso do concreto duro e frio. Quantas vezes a gente já correu felizes de mãos dadas, com pressa de ver alguma coisa que não exigia pressa alguma. Mas éramos nós com pressa de viver, querendo atravessar a vida assim, de mãos dadas e sorriso no rosto.

Desculpa falar assim, mas se eu fosse o roteirista você não teria entrado na história. Eu nunca conseguiria prever as cenas que viveríamos. Eu conheci muitas coisas, fui parar em vários lugares de surpresa. E você conseguiu me descobrir de novo, num pequeno olhar de admiração que eu não lembro de ter visto na minha vida toda.

São muitas falas aqui registradas. E quantas saudades, quantas declarações de amor veladas até a primeira pra valer. Que foi forte, num sussurro, numa dúvida e incerteza que me fizeram querer ouvir de novo para saber que não era engano.

E eu quero tudo de novo, além de tantas outras coisas que vamos vivenciar. Se alguém me perguntar qual foi o melhor dia da minha vida, sem dúvidas, eu vou falar que foram todos que passei ao seu lado.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Zoso

Eram duas histórias paralelas, e eu não sabia o que fazia em nenhuma delas. Só sei que eu andava impulsivo, e não iria deixar passar em branco. Ela mexia comigo de alguma forma que eu não sabia explicar, e por isso os meus dedos ficavam inquietos no celular provocando-a, sempre com respostas prontas do tipo que nunca tive. Falei um bocado de merda só pra ela rir, precisava fazer essa graça mas nem sabia a finalidade. Eu fui uma porra de um pentelho, uma pedra no sapato, mas não queria parar com isso. Era como um vício, um vício tão forte que eu não podia lutar contra.

Fora isso, deixando de lado aquele rosto que era faísca de uma combustão iminente, alguns impulsos novos trilhavam meu caminho. E eu estava sempre lá, com um copo de cerveja na mão e rindo de tudo, familiarizado com pedintes e figuras carimbadas de bar. Comecei a descer escadas rolantes que subiam, cheguei a arrebentar meu joelho. Mas acabei rindo de tudo isso, e as teclas do meu celular não davam sossego. E a porra da linearidade agora não importa nas minhas memórias.

Eu queria ser que nem eles. Sonhar e ir até o fim com isso. Ser ousado, atropelar todas as críticas e antes de morrer, pensar "caralho, eu cheguei ao topo do mundo pelo menos por um segundo". E deu um trampo resgatar tudo aquilo que eu era, juntar os cacos, colar tudo pra pular de cabeça de um abismo de novo. De novo, eu nunca soube o que estava fazendo.

Claro, a vida podia me vencer pelo cansaço. Mas desta vez eu estava disposto a tudo, minha cara não tinha mais preço, era só chegar e bater. E foda-se se o mundo é sádico, a gente tem que apanhar muito mesmo, mas tem que chegar dando bicuda pra ver se arromba a porta da felicidade à força. Eu tava há mais de um ano planejando o feito e daí me fizeram tomar coragem, e desta vez eu ia sem nada a perder.

A agulha na carne, a tinta na pele, e a banda mais foda do mundo tocando no rádio. Minha falta de noção ainda tentando fazer graça, ainda tentando chamar atenção. As coisas que eu nem sabia que iam acontecer já se esboçando. Dedos nas teclas, desesperados por um sorriso, e eu finalmente tinha conseguido um convite. Antes da tinta secar, ela foi molhada por chuva. Mas eu não tava nem aí, algumas coisas nascem para ser lenda. O resto é história.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Since I've been loving you

Obrigado.

Por não deixar aquela porra de menino tímido entrar numa tentativa patética de virar comedor em prol de orgulho alheio, de gente que acha que tudo que tem a ensinar na vida é putaria.

Nada contra quem quer entrar no clube das doenças venéreas, brindar o cálice de garotas de uma noite só que acabam de coração partido e por isso chegam a partir outros corações. Tudo contra quem abandona a boa moça que tem em casa pra sair trepando que nem cachorro em perna de visita, que nem vê onde tá esfregando o pinto que achou no lixo. Mas a verdade é que eu nunca quis parecer espertão ou gostosão, só queria um dia olhar pro poço de uns olhos e saber que é daquela água que quero beber.

Sério, eu tenho a agradecer por tudo. Acho até saudável competir pra ver quem come mais, só que eu sei que não nasci pra esse esporte, e não ligo nem um pouco pro meu score.

Você também me ajudou a provar que eu tava certo e sair duma puta paranóia. Eu só queria uma boa companhia e as pessoas sempre falam que isso é utopia, que eu viajava e ia mudar. Mas eu tô aqui forte, com uma certeza imensa de que sou feliz, e bem diferente daquelas épocas de desespero em que a carência me empurrava pra uma merda de abismo que eu achava ser o caminho mais fácil. Eu confundi teimosia com persistência, e mesmo assim valeu a pena porque as merdas dos tombos que levei me ensinaram a fazer certinho para que tudo funcionasse para a gente.

Acho que você me entende.

E obrigado por isso, também.