segunda-feira, 18 de março de 2013

Sick Love Song

Contam por aí uma história absurda. Uma história doentia de amor, que parece ser inverossímil. Todos que escutam questionam se isso lá é amor, mas se nem Camões conseguiu definir a palavra, não perderei meu tempo com debates pífios. Este é mais um conto absurdo de uma cidade grande, e qual delas não importa. Existe várias no mundo, e numa delas havia um sujeito que se achava um puta macho alfa, inabalável por qualquer mulher. Daqueles que arrastava quem queria pra sua cama, um canalha de marca maior, o tipo de tratante carismático que deitava e rolava na cama de todas, das mais modestas de beleza às mais deslumbrantes, das mais atiradas às mais relutantes. Também não quero entrar nessa baboseira de karma ou lição de moral. É apenas uma história, que, sinceramente, a graça dela é ser totalmente amoral.

Ele estava entediado. Ninguém topava sair numa segunda-feira à noite, por mais que seja o dia em que as coisas mais acontecem. Resolveu então parar no primeiro letreiro luminoso que sorrisse para ele. Como um velho lobo não precisava de ninguém pra caçar, solitário naquela noite ele uivaria à lua como um ode ao ritual primitivo que era seu motivo de viver. Ele havia nascido para aquilo, fato que foi comprovado no instante em que entrou no bar: todos os olhares femininos, até os das acompanhadas, viraram-se para ele.

Conseguia sentir o cheiro do medo, ele era uma ameaça a todos aqueles cães sarnentos que imediatamente se prontificaram a marcar território. Uns puxando suas garotas para perto de si, beijando-as com volúpia sem saber que naquele beijo elas viam o rosto dele. Já outros, preferiam lançar olhares intimidadores estufando o peito, inutilmente. Um lobo passeia tranquilo e sorrateiro, sem dar bola para os olhos de seus inimigos, mas sempre sabendo a localização exata de cada um. Ninguém conseguiria pegá-lo desprevenido.

Sentou em um canto do balcão e estudou o ambiente. Era um território novo e desconhecido, aprendeu a não se deixar cegar pela própria autoconfiança. Isso havia salvado sua vida várias vezes, e não seria diferente desta vez. Havia várias mulheres bonitas, mas em um dado momento viu de relance a mais deslumbrante do bar. Então todas as outras perderam a graça. O mundo havia ficado cinza e apenas as cores dela existiam. Aqui não faz sentido descrever o processo de sedução, pois foi um como outro qualquer, repleto de clichês, falsos movimentos e segundas intenções. Previsivelmente ele conseguiu seduzi-lá e saíram juntos do bar.

Foram para o apartamento dele, onde a química entre os corpos deles fez com que realizassem as maiores loucuras na cama. Não foi a primeira vez que esbofeteou uma mulher na cama, mas a primeira que ela parecia gostar de verdade. Quanto mais violento ele ficava, mais ela pedia para apanhar, e mordia e arranhava. Arrancou pedaços de pele de suas costas, mas ele não ligava. No outro dia, seu quarto parecia uma cena de crime, não sobrava móveis nem enfeites no lugar. Ele acordou numa ressaca pesada, atrasado para o trabalho, a expulsou de casa sem cerimônia nenhuma e tocou sua vida.

Mas no fim do dia uma tristeza começou a incomodá-lo, como se uma lâmina afiada o houvesse ferido. A princípio parecia não haver ferida, mas quando o delicado corte se abriu, revelou-se como uma profunda injúria que parecia sangrar cada vez mais. Depois de rolar na cama durante horas, ele tomou um táxi e retornou ao bar. A loucura se repetiu naquela noite.

No outro dia, ele não a expulsou. Tão terrível acordada, e tão meiga dormindo. Deu um beijo na testa dela antes de sair pro trabalho. Foi então que sentiu um arrepio na espinha: estava acontecendo. Uma mulher havia domado seu coração, e ele nada sabia sobre ela. Ficou incomodado o resto do dia, sem saber que tipo de desdobramento aquela história poderia ter. Quando chegou, o apartamento finalmente estava arrumado. Nunca havia arrastado um móvel para tirar pó, e agora tudo cheirava a limpeza. Ela estava esperando na cama de lingerie, e tiveram outra noite daquelas.

Na manhã seguinte reparou que ela havia jogado todas as suas roupas fora. Havia camisas e paletós novos, camisetas, bermudas, mas nada escolhido por ele. Começou a reparar que até sua pasta de dente havia mudado, o conteúdo de sua geladeira, e as toalhas tinham iniciais bordadas. Em uma semana a casa estava redecorada, era tudo que ela fazia enquanto ele ia trabalhar, sem imaginar com que meios pagava por tudo aquilo. Então ela começou a ligar 3 vezes por dia para ele, seus amigos já não o viam mais. E ele se sentia sugado, arrastado, mas não tinha forças para sair disso. Apesar de tudo, o sexo era espetacular.

Então um dia seu pau parou de subir, ele não tinha mais pique nenhum e ela parecia cada vez mais sedenta. Ficaram uma semana sem sexo, até que numa tarde ele chegou do trabalho e o apartamento estava imundo, sem vestígios dela. Ele nunca mais ouviu falar daquela mulher novamente, assim como nunca mais teve uma ereção.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Psycho Killer

O frio na espinha significa alguma coisa. Ela sabe que ele é um psicopata, pois há algo de muito estranho em toda a situação. Não está confortável, mas até agora não houve nada de contundente para fazê-la correr. Imagina que triste clichê: a menina que vive leve, tal qual protagonista inocente de filme B, sendo perseguida por um maníaco que a passos lentos empunha sua lâmina tão fria quanto sua consciência psicótica, e com obsessão calcula o golpe, coagindo-a até onde ninguém possa escutar seus gritos. Esse pensamento a incomoda e a faz ter cautela.

Muita gente passa por aqueles corredores. Determinado, ele vai até o fundo do estabelecimento, pois sabe que lá encontrará o que procura. Agora tudo é diferente, caminha com a perícia de quem já percorreu tal trajeto por diversas vezes. Lembra-se de quando era um amador, e o nervosismo quase colocou tudo a perder, mas por sorte saiu ileso. Ele sorri, pois era um dia de grandes ofertas. Com toda paciência do mundo, escolhe metodicamente qual a vítima do dia. Calcula peso e tamanho, considera todas as variáveis e apenas depois de tudo isso parte pro bote. Seu olhar havia se tornado preciso.

Ela segue sua rotina sem se abalar. Sabe viver sendo imponente, mas a passos leves para não ser seguida. Assim como um grande felino, que tem suas cores e belezas e ainda assim consegue espreitar, desaparecer e subir em árvores. Seus instintos são fortes, e não há predador que seja presa fácil. Ao inferno o psicopata, sua lâmina e seu coração frio. Se algum olhar pousar em suas costas, ela discretamente consegue ver sobre seus ombros e ficar alerta. E ali, com garras escondidas e olhar firme, ela sabe se defender e estraçalhar qualquer um que tente qualquer agressão.

Com a vítima embrulhada, ele espalha suas ferramentas sobre a bancada. Abre com cuidado uma caixa que contém seu xodó: uma faca enorme de lâmina reluzente. Liga uma música feliz, e cantarola enquanto afia a lâmina. Ele quer cortes precisos, quer que a carne não ofereça nenhuma resistência. É nesse pequeno processo artesanal que reside a beleza do que faz, filosofa. Precisa ter firmeza, mas, acima de tudo, tudo precisa acontecer de forma limpa para não estragar todo trabalho que teve até então. Olha de canto para sua vítima, solta um sorriso e seus olhos brilham. Sabia que havia feito a escolha perfeita.

Vira a página do livro e as letras começam a se embaralhar. Já nem lembra mais do pensamento que a incomodava. No fim do dia, o que importa é fechar os olhos e sonhar. Seu pensamento estava distante, sem imaginar o que há alguns quilômetros dali está acontecendo. Ela fecha a capa, coloca sobre seu criado-mudo e apaga a luz. Amanhã será um dia como outro qualquer.

Realizado, ele olha para sua obra. Num pequeno deslumbre de megalomania, considerava aquilo arte. Enche a taça de vinho, sente o cheiro que paira no ar, e, então, um cansaço bom toma conta do seu corpo. Tenso, ele espera pelo julgamento das pessoas. Então eles aprovam aquele maravilhoso corte de contra-filé, preparado com simplicidade mas muito capricho. Sorri mais ainda ao lembrar que fora chamado de psicopata: sua lâmina só tocava a carne já morta, numa devoção nada egocêntrica, e sim ao prazer alheio.

domingo, 10 de março de 2013

Pink

Era mais um dia quente de verão, tão quente que o asfalto parecia evaporar e queimar a sola dos sapatos. Mas ele não estava nem aí, apenas abriu a garrafa d'água, que também parecia suar, e tomou metade do seu conteúdo em apenas uma golada. Enxugou sua testa com as costas das mãos e parou encarando a avenida, à espera de que o semáforo segurasse os carros e permitisse sua passagem.

O relógio ainda nem marcava nove horas, mas aquilo parecia o sol do meio-dia. Talvez isso tenha fritado seus miolos, junto com aquela preguiça aconchegante de quem pouco dormiu, e ele começou a ver coisas. Entre os carros que iam e os que voltavam, os ônibus e caminhões, tratores e dromedários que trafegavam àquela hora, ele viu de longe um pequeno borrão que de alguma forma chamou sua atenção.

Levantou parcialmente seus óculos escuros para enxergá-la melhor, expondo sua retina ao azul tão claro do céu que mesmo fazendo de tudo para se mostrar de forma tão deslumbrante, ainda não conseguia ofuscá-la. E no espaço entre os veículos que passavam ele a paquerava, observando cada detalhe do seu jeito singular de se vestir, do seu corte de cabelo, e daquele sorriso inocente tão cativante.

Então finalmente o sinal parou os carros e estendeu seu tapete vermelho para que ele pudesse atravessar as duas pistas. Mas ele não conseguiu mover um músculo, parecia que sequer respirava. Imóvel, já com os óculos escuros postados novamente para disfarçar seu olhar fixo sobre a moça, ele observava como ela andava com graça enquanto o vento soprava seus cabelos no maior clichê que havia vivido até então. Ela foi se aproximando e diluindo o odor de monóxido de carbono exalado pela quantidade absurda de automóveis que transitavam naquela hora. Ele sentiu cheiro de banho fresco, de um perfume sutil e algo a mais que o hipnotizava a cada passo que ela dava.

Finalmente ela passou por ele, tão leve como se carregada por aquela brisa de verão. Ele quis olhar para trás, mas de repente achou que pareceria algum tipo de maníaco, se é que já não estava parecendo. Pensou por mais um segundo e resolveu seguir em frente, mas o sinal estava aberto novamente para os carros. Não havia outra escolha.

Virou-se e deu o primeiro passo atrás dela. Arrumaria algum jeito de descobrir quem era, ou talvez até pegar seu telefone. Ele era tímido, não fazia esse tipo de coisa, mas não podia deixar alguém como ela passar assim e ir embora. Deixou para trás todos seus medos e dúvidas. Totalmente movido pelo ímpeto, por uma vontade única de iniciar um diálogo, quase um desespero que vinha do seu âmago. Mas um desespero bom, que aquecia seu coração e dava esperanças. Não importava o que aconteceria dali para frente, o céu azul havia se tornado cor-de-rosa.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Girls Girls Girls

Acorda ainda com um cheiro suave de perfume espalhado pelo quarto. Ela está lá, de olhos fechados e sorrindo numa paz que arranca um pequeno suspiro dele. Tem tanto capricho com os cabelos, mas mal sabe que o jeito que fica mais linda é assim: despenteada com os fios espalhados pelo travesseiro. Então ele debruça-se sobre ela e dá um sutil beijo no rosto, para não acordá-la. Em resposta, mostra sutilmente as covinhas de suas bochechas enquanto sonha. E isso faz o dia valer a pena.

Era um dia da semana qualquer. As outras crianças corriam pelo pátio, enquanto eles sentavam tímidos apenas observando as brincadeiras. Ele desliza vagarosamente uma mão em direção à dela, que responde enrubescendo-se. Corada, a menina só pensa em sair de lá, o puxa pelas mãos conduzindo-o até o corredor deserto. Os lábios se tocaram numa fração de segundos, bem sutilmente, e eles não falam mais nada. Cada um vira para um lado correndo, num momento que ficaria marcado para sempre em suas memórias.

Seu pai não pôde ir. Mesmo assim, ela estava sozinha lá na arquibancada, gritando o nome dele mesmo sem entender nada sobre o jogo. Estava cheio de si, era sua primeira final. Coisa besta, brincadeirinha de escola, mas dava sua vida por aquilo. Fez dois gols, comemorou bastante. Para ela bastava essa alegria, esquecia das contas, do aluguel atrasado e do marido desempregado. Foi quando veio uma pancada desleal e ele sentiu uma dor como nunca havia sentido. Ele nunca entendeu como aqueles braços tão delicados o carregaram sozinhos até o carro em tão pouco tempo. Depois disso, nem sentiu vergonha quando ela desenhou um coração em seu gesso.

Por mais clichê que pareça, foi a marca de batom que o entregou. Estava fazendo aquilo há uns dois anos, até que baixou a guarda e se descuidou. Ela chorou, falou um monte, teve nojo dele. Era boa demais, não merecia nada daquilo. Mas ele enxergou tarde demais: apenas quando, de malas prontas, ela anunciou que ia para a casa da mãe. Levou as coisas, mas ficou o perfume, ficaram as fotos, a cama vazia e a saudade. Junto com o táxi foi um pedaço de sua vida.

Queria ficar deitado para sempre naquele colo. Mal conseguia acreditar que um pedaço minúsculo de vida residia ali. Agora os dois formavam um trio. E logo estariam escolhendo nomes, indo a diversos médicos, pintando o até então quarto de hóspedes de azul ou rosa. A vida era linda, e ele deu um beijo mais que apaixonado no ventre dela por isso.

Fechou os olhos e viu seu rosto. Viu seu corpo. Os pequenos detalhes que a faziam maravilhosa: os delicados brincos, a sombra nos olhos que dava uma certa seriedade ao seu rosto, uma seriedade traída pelo seu sorriso. Era meiga, mas a camiseta largada com um corte mostrando o sutiã davam-lhe certa seriedade. Os jeans rasgados entregavam um pouco de sua perna tão delicada. Tênis encardido e batom, uma beleza pra lá de contraditória. Um dia ele a conheceria.

Foi o dia mais duro de sua vida. Depois de vinte anos estava indo para a rua da amargura. Os amigos o convidaram para afogar as mágoas na cerveja, mas ele dispensou. Correu pra casa com vergonha, com lágrimas nos olhos e desespero no coração. No caminho, mal prestou atenção no trânsito, mas seu anjo da guarda trabalhou para que chegasse bem em casa. Já havia anunciado a notícia pelo telefone, mas ainda assim tinha vergonha de abrir a porta. Hesitante para girar a maçaneta, de repente a porta abriu sem seu esforço. A pequena veio pulando em seus braços, o enchendo de beijos como o herói que sempre fora para ela, toda inocente. Então seu coração ficou cheio de coragem e ele entendeu que tudo ficaria bem.