segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Kashmir

Eu estou sentado do chão de um canto de um apartamento vazio, tomando um gole de whisky em uma frasqueira. Sozinho, não há móvel em canto algum. O único som vem da rua, da janela aberta. E a rua não tem movimento, com o céu acinzentado há poucos pássaros a cantar. Ouve-se o vento chacoalhando as árvores, passeando pelas frestas da janela e nada mais.

E por incrível que pareça, isso não é tristeza.

As paredes brancas projetam um destino que nunca chega, um horizonte vasto do deserto que atravesso no momento. Não sei o que vou encontrar pela frente, mas sei que é a direção a seguir. Como um viajante guiado apenas pela bússola, curtindo o percurso na aventura de saber onde isso vai dar. As paisagens no caminho são maravilhosas, mas a poeira irrita e o sol queima as retinas. O tempo e o espaço me guiam, e eu sei que cedo ou tarde, no meio do caminho, aparecerá o que procuro.

Não olho mais para trás. E, de repente, ver tudo que já andei não faz mais sentido. Já tomei as lições que deveria, chegou a hora, de aplicar tudo que aprendi em todo esse tempo na estrada. Mesmo acompanhados, sozinhos somos no mundo, numa caçada pelo que nos preenche e satisfaz. Só cabe a nós essa busca, mesmo que tenhamos sempre com quem contar ou a quem recorrer. Só cabe a nós porque a selva é nossa, e a presa apenas é vista por nossos olhos.

De repente, parece que tudo se deslancha, como o fim de um ciclo, que me recobre de esperança e otimismo. As emoções são fortes, e, antes que as coisas aconteçam, a vida oscila entre positivos e negativos extremos, como um sol intenso que queima forte, mas, ao mesmo tempo, dá espaço para suave brisa que acaricia o rosto e diz que devo continuar seguindo em frente no mesmo caminho.

A verdade é que me perderei por diversas vezes. E, por outras incontáveis, eu hesitarei no meio do caminho, darei passos para trás e ficarei parado no tempo. Concluo que, no fim da viagem, eu conseguirei o que quero. Porque posso desconhecer o caminho e o que vem em frente, mas das minhas vontades eu sei. É o que basta para chegar lá.

Fecho a frasqueira, confiro as horas, apoio os braços sobre os joelhos e deixo escapar um pequeno riso.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

All my love

Às vezes, a cadeira do cinema ao lado está vazia. Você acorda sem ter ninguém ao lado, o porta-retratos não tem mais aquela foto, os seus planos não envolvem mais ninguém além de si mesmo. Mas, enquanto pulsa um coração, enquanto somos capazes de sentir alegrias e tristeza, desejos e frustrações, e os cheiros trazem memórias e as memórias trazem sorrisos, isso basta para dizermos que o amor ainda existe.

Um laço invisível pode ser o lado bom do seu dia, as saudades supridas podem fazer com que todos seus problemas mais pesados desapareçam como leves balões de ar que se perdem no céu azul de um dia ensolarado. Aquele pequeno pedaço de memória rabiscado num pedacinho de papel pode evocar o que há de mais humano no seu âmago, nostálgico, com uma pitada de dor mais ainda sim algo gostoso.

Como diria a garota, um beijo e um tapa.

O amor não é apenas realizar nossas mesquinhas vontades e ter mimos, e achar que sempre estamos completos. O amor é sentir falta daquele que não pôde comparecer, é dar o ombro quando aparece uma dificuldade, é tomar alguma decisão irracional que vá salvar você da tristeza. O amor é o que nos diferencia, é o que nos faz não querer vingança nem mal-querer. É sentir tesão em servir alguém, pirar no menor e mais sincero elogio, quando o que vale mais é a simplicidade das palavras do que a grandeza dos adjetivos.

É um sentimento tão abstrato que é o mesmo para várias pessoas de diferente importância na vida, manifestando-se em formas peculiares para cada caso. Tão abstrato que quebra os paradigmas de tempo, pois você já pode ter sentido por alguém que hoje é estranho, e, ao mesmo tempo, irá sentir novamente no futuro por alguém que no presente você nem sabe da existência. E não importa que sua pífia sabedoria diga coisas diferentes, ou se seu louco coração faça com que sinta um grande vazio mesmo que o amor cerque você em todos os aspectos. Dele tudo sentimos e nada sabemos.

O amor pode repentinamente retumbar no seu peito, ou apagar como a chama de uma vela se vai em um sopro. Pode cutucar o tédio num domingo à tarde, pode evocar lembranças gostosas quando você colocar os pés na areia da praia. Mas, de tantos mistérios, uma certeza eu tenho: de todo meu amor eu vivo. Pelo que sinto por tantas pessoas, pelo que faço, pela vida. E pelo que acredito.