quinta-feira, 28 de outubro de 2010

I used to be a little boy

Não. Eu não quero voltar à infância como muita gente fala. Até sinto nostalgia, mas não consigo querer voltar àqueles tempos, por mais que a vida parecesse mais tranquila e a maldade menos evidente. Claro, esta parte da minha memória continua gravado na minha mente com muito carinho, lembranças que me fazem sorrir sempre que encontro com elas. Sem falar nos bons amigos, aqueles que compartilharam momentos de bagunças, notas altas e baixas na escola, voltas de bicicleta no bairro e tantos tombos na vida.

Mas a gente passa pelo que tem que passar e cresce. E, de repente, passamos a não nos preocuparmos com notas na escola e pensamos nas notas de dinheiro, direta ou indiretamente. A gente pensa em emprego, em aprendizado, em desenvolvimento. Em namoros, carros, barzinhos, shows de rock e camisetas. Aí começamos a pagar nossas próprias coisas, as necessidades mudam. E, quando percebemos, acabou o colegial, acabou a faculdade. Olhamos para o mundo e percebemos que enfrentamos tudo sem parar pra perguntar uma vez se estávamos preparados.

Se precisasse, faria tudo de novo. Exatamente como foi, até os erros. Porque aprendi. Já disse, não tenho vontade de reviver, mas não tenho arrependimentos. Aprendi o que tinha que aprender, tantas vezes é difícil entender o motivo das adversidades antes de superá-las. Mesmo tendo vencido várias vezes, toda derrota derruba, todo pessimismo é sempre pouco. Afinal, é normal questionarmos o sofrimento, é natural sempre almejarmos as mudanças mais positivas e o fim definitivo de problemas que insistem em nos incomodar de forma recorrente. E viver é isto, são os altos e baixos, as memórias e os ombros amigos. As confissões matinais, as confidências ao telefone, o pedido de ajuda envergonhado. Viver às vezes é uma chatisse, é um desânimo ao acordar. Mas, acima de tudo, viver é recompensador.

Nossa, como foi boa a minha infância. Tive o privilégio de crescer no interior, de conhecer animais além das figuras de livros. Viajei mais do que muita gente grande, acompanhei de perto os ofícios do meu pai. Mas, de alguma forma, eu olho praquele garotinho que sempre teve curiosidade de saber o futuro e não tenho vontade de sê-lo novamente, pois levo para sempre uma certeza: ele odiaria se um dia eu desejasse voltar e perdesse todas as experiências que ele sempre quis ter.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ramble On

De repente, numa virada de olho, ele ganhou vida. Num ato trivial de um dia ordinário, no caminhar moribundo de pensamentos vazios, de uma cabeça que estava distraída, que de repente prestou atenção em uma figura que já tinha visto milhares de vezes, assim, na capa de um livro, e então sentiu algo que não sentia há tempos. E daí ele já sabia o que fazer, mesmo que a solução fosse o inesperado, o surpreendente. Não adquiriu mais conhecimento, mas, talvez, fosse um instinto que acabara de despertar em sua pessoa.

Assim, alguns medos foram deixados para trás. Esqueceu-se também de frustrações de outrora, de dores que já cicatrizaram mas ainda continuavam a incomodar por força do hábito. Experimentou um pouco da falta de noção e então lançou-se sem cordas e sem querer voltar. Buscou com vontade o fundo do poço, sem saber. E quando chegou lá, descobriu que não havia vergonha, que não havia nada mais a proteger ou zelar. Então riu de tudo, de todas as merdas que tinha feito. Descobriu que havia se maltratado porque merecia, para deixar algumas vaidades de lado. Pois as vaidades são grandes parceiras do medo, e chegam a fortalecê-lo.

Como forma de um grande pacto, prova de mudança e marca que o lembraria sempre do que o fazia respirar, do que o faria atravessar mares e oceanos. A prova de que tudo é só uma questão de querer. E foi o momento em que teve certeza, em que cumpriria o que planejava há mais de ano. Ainda houve colaboração externa, quando um sinal serviu como afirmativa e deu a largada para que ele estampasse aquele símbolo em sua própria carne.

Ele seguiu confiante, mudado. Andando no escuro, mas com a certeza de que rumo tomar. Estava ali, novamente arriscando o pescoço, mas desta vez de guarda baixa e cabeça erguida. Em sua frente, a chuva o aguardava. Em meio ao temporal, ele saberia andar com firmeza.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

And our lives are forever changed

Um dia, você acorda pela manhã e descobre que a vida tem um cheiro. Cheiro de aconchego, de colo, de ombro que recebe seu rosto quando ele precisa repousar e esquecer que existe outra coisa lá fora, que o mundo às vezes dá desgosto e que o cansaço aparece. E a gente flutua, seja numa manhã ensolarada ou chuvosa, e a preguiça nos acomete por estarmos tão relaxados. E assim, à vontade, podemos amar, podemos sorrir e ter esperanças. Podemos enxergar a beleza e sentí-la encher nossos corações, de tal intensidade que ele acaba transbordando em um grande e involuntário sorriso.

Com o tempo, a gente aprende o quão bonito é tudo, e os motivos de cada fato que nos empurrou até a linha em que o destino vai escrevendo os fatos, e quando a palavra encontra esta linha a realidade nasce, trazendo consigo surpresas e algumas certezas que precisavam ser reafirmadas. Porque as palavras têm que ser renovadas a cada dia, o aconchego tem que sempre existir para nós, as mãos que uma vez foram dadas têm que se selar num pacto eterno e cotidiano, pois o caminhar é longo e muitas vezes teremos medo e precisaremos apertá-las. É necessário ter sempre aquele espelho, que vai repetir o quão bela foi a história, que vai narrar os feitos sempre que precisar, que vai ser um amuleto que recorda a iminência da felicidade.

Assim, quando estiver distraído, empurrado pela inércia e envolvido pela serpente que é a rotina, respirar fundo e acidentalmente sentir aquele cheiro nos dá força para fugir da constrição, e fazer nossos próprios movimentos rumo ao nosso desejo. Mesmo que ele apresente-se como uma estrada incerta, como uma alternativa subjetiva, andaremos por ele e exploraremos até atingirmos a satisfação, porque é assim que devemos prosseguir quando nos falta gosto à boca.

Nós precisamos de um ponto de equilíbrio para, de vez em quando, desequilibrar. Mesmo que este ponto tão importante seja ao mesmo tempo próprio nosso e tão externo a nós. Ele estará dentro de outro olhos, pulsando em outro coração. Será partilhado não como pão, mas como ponto de união que transforma um em dois, que promove um intercâmbio tão forte que parte de si dispersa, mas volta renovada de energia, depois. E, depois de encontrá-lo e confirmar todas as suspeitas. Depois de comprovar e perceber o bem que faz. Depois de descobrir que a vida tem cheiro, sabor, textura, cor, trilha sonora, movimento, bondade, surpresas, certezas, fatos, sensações e suspense. Depois de descobrir que algo mudou, e esta mudança não para, é constante e positiva, é firme e sólida, é necessária e mútua. Depois disso, viciamos. E então, lembramos que, depois disso, cada dia é um dia mais do que especial.