quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

The Wind Cries Mary

Maria era uma mulher devota, de uma humilde província do norte do país. Uma terra dominada pela barbárie, atrasada por pelo menos 2 mil anos em relação ao resto da civilização. Mas ela mantinha-se serena, com sua fé e valores inabaláveis. Mesmo sendo uma das mais belas e cobiçadas, mesmo com coronéis oferecendo-lhe mundos e fundos, ela que fora criada para ser a esposa perfeita, decidiu entregar seu amor a um humilde trabalhador braçal, que nada tinha além da honestidade e dignidade.

Desde pequena, Maria sabia todas as orações de cor, rezava por uma vida melhor e pelo fim de tanto sangue derramado por um pedaço de chão. Rezava para ficar longe dos jagunços, talvez para um dia sair de lá e levar sua família toda para um lugar belo e seguro. Era a mais prendada de suas irmãs: aprendeu a costurar desde cedo e cozinhava como ninguém que vivia naquelas bandas. Sabia aproveitar o pouco que tinha para transformar em saborosa comida, uma raridade dentro daquele ambiente tão carente e precário. E sua beleza era indescritível: seu rosto conseguia ser belo como porcelana mesmo quando sujo de terra ou carvão. Suas mãos que aguentavam o mais pesado labor não perdiam a delicadeza, mesmo com anos de lida. E, no mais ensolarado dos dias, sua pele não exalava odor algum. Era uma menina rara que estava florescendo em encantadora mulher.

Claro que isso despertou o desejo de muitos poderosos que eram acostumados a ter tudo que queriam. Mas a ela não podiam ter, já que havia se prometido a José no mais puro voto: castidade até o dia de seu casamento. E o dia estava próximo: haviam anunciado que em alguns meses o juiz de paz de uma cidade maior visitaria a cidade para unir em matrimônio os casais que assim quisessem. Até lá, seu namoro se resumia a pequenas prosas no portão, sempre à vista de todos e antes da noite ficar muito tarde.

Em uma dessas ocasiões, após José deixar sua casa, ela ficou um tempinho a mais para fora recolhendo lenha para o fogão, que seria usada no dia seguinte. Foi quando, de longe, escutou um mau presságio: um barulho infernal de automóvel, coisa rara naquela região. Apenas quem os possuía eram os coronéis, que quando apareciam no bairro era apenas para causar tumulto e sofrimento aos moradores. E a picape vermelha parou em frente à sua casa, quando um dos coronéis a fez um descortês elogio. Enrubescida com tamanha grosseria, Maria nada fez além de continuar seu labor cabisbaixa, tentando nem olhar em direção ao tenebroso veículo. Mas homens poderosos odeiam sem ignorados, e após mais dois ou três "elogios" sem resposta, o coronel ficou enfurecido e desceu da caminhonete, estapeando a menina. Foi quando a lua tão bela brilhou em seu rosto, e ele viu aqueles olhos profundos e quis tê-la. Ora, um homem desses tem tudo o que quer, mesmo que à força. E foi esse o destino de Maria: estuprada às vésperas do casamento.

Era muita dor e vergonha para uma devota como ela. Sem saber o que fazer, a garota passou dias isolada e chorando, ninguém conseguia falar com ela. Foi então que José, em sua imensa bondade e palavras sábias que não condiziam com sua falta de escolaridade, conseguiu convencê-la de falar com ele, e, aos poucos, arrancou toda história. O rapaz sentiu-se impotente como nunca: incapaz de controlar sua sede de vingança e de ver o sangue de quem roubou-lhe a pureza de Maria e a humilhou. Incapaz de sequer saciar a sede, pois precisaria alcançar alguém que é intocável. E, em meio a tanta angústia e desespero, ele soube ser sábio, beijou a testa de sua noiva e a confortou. Disse que seguiria com o casamento e que, para ele, virgem ela sempre seria, pois sua pureza de espírito era o que contava.

Mal sabia ele que, tempos depois, para escândalo geral na vila, Maria apareceria com uma barriga, que não daria mais para esconder. Em meio a tantas fofocas e insinuações, em meio à revolta do pai da garota que queria desfazer o casamento, José deu sua maior cartada: disse a todos que sua futura esposa permanecia casta, mas, tamanha era sua pureza, que ela havia engravidado do sopro de vida de Deus, e que de seu ventre nasceria o herdeiro da bondade. Ele, que nunca havia jurado na vida, deu sua palavra a todos que a barriga de maria era o mais belo milagre e, com a soma de fé e ignorância daquelas pessoas, convenceu um a um de que seria padrasto do fruto máximo do amor. Quando a vontade de Maria mesmo era dar um fim àquela barriga, sendo só impedida pela sua falta de coragem e condições financeiras de fazê-lo.

O fato é que a criança nasceu, e foi quando Maria aprendeu a amá-la. Era um menino forte, e, apesar da falta de material genético, seu caráter inteiro foi moldado pela personalidade íntegra de José. De tanto que pai e filho se aproximaram, a mãe conseguia já ver seu fruto sem lembrar do pior episódio de sua vida. E eles viveram felizes por um tempo, em equilíbrio, até que o castigo veio ao agressor de Maria, mas não sem antes levar algo de valioso que ela tinha. O coronel havia manifestado um câncer incurável, e sofreria até o fim dos dias que lhe restavam. Porém, sua esposa sabia da aventura que ele teve com a pobre camponesa, sendo a única que não caiu no conto do fruto divino. Era questão de tempo até tentar se vingar de Maria tirando a vida que concebeu, ela apenas aguardava a morte do coronel.

Sabendo disso, José conversou com sua esposa e ambos decidiram, por bem, gastar todas suas economias e mandar seu filho Jesus viver com uns parentes numa cidade maior, onde estaria livre das ameaças do provincianismo daquela terra. E, sem derramar uma lágrima nos olhos, o moleque foi. Mesmo não entendendo as razões, agarrou-se na devoção que tinha pelo pai e foi. Como os parentes de José também eram humildes, o menino teve que se virar. Mas era sério e trabalhador, e assim conversava de igual para igual com os mais velhos, escutava, cativava e aprendia. Foi assim que ganhou a vida e conhecimento. Criou condições para estudar, interessado cada vez mais em assuntos que poderiam fazê-lo regressar e lutar para melhorar as condições de seu povo. Foi o melhor em todas as matérias, tornou-se mestre e doutor. E então, já havia passado muito tempo sem contato com seus pais, e decidiu encerrar seu exílio para libertar seu povo.

Retornou como anônimo, mas sua matemática e estudo o fez ganhar destaque em alguns meses. Juntou diversos trabalhadores em torno de um objetivo só e, em pouco tempo, formava sólidas cooperativas que multiplicavam os pães daquele povo tão faminto. E a palavra se espalhou, até que chegou aos seus pais que o reencontraram. Foi um momento emocionante, até que ele se recusou a voltar para a casa deles. Disse que tinha uma missão, e precisava ajudar seu povo. Foi aí que Maria sofreu mais uma vez na vida, entre outras tantas que viriam.

O povo aclamava o nome de Jesus, e começaram a botá-lo no posto de prefeito mesmo faltando mais de ano para as eleições. Ele dizia que não queria se candidatar, mas seu pequeno comitê de amigos próximos o convenceram a ao menos entrar para o partido. Era composto por doze homens mais Jesus, o primeiro a se preocupar com as carências do povo em vez de buscar lucros.

Mas a palavra também se espalhou para os poderosos e, o filho legítimo do coronel se irritou com a história. Irritou-se mais ainda quando sua mãe contou quem era Jesus: seu irmão bastardo e nunca reconhecido. Só que o coronelzinho sabia que, com a força do povo e subsídio do partido popular não seria fácil alcançar seu irmão ilegítimo. Ele precisaria esperar o momento certo de dar o bote. Mas, como sempre, conseguiria tudo o que queria, e, àquela altura, tomando terras à força, já era dono de metade da cidade. Controlava o atual prefeito e estava preparando uma nova marionete para sucessão. Ninguém estragaria seus planos.

Acontece que os compromissos de Jesus eram pautados apenas pelos 12, que eram homens de ideais fortes e devotos a Jesus. Ninguém saberia facilmente os passos do filho de José que eram guardados a sete chaves, pois nele residiam todas as esperanças da revolução. Mas, em meio à luta, o filho de Maria acabou por se apaixonar por outra Maria, uma jovem libertária que nada tinha a ver com sua homônima: não era casta, não era mulher de arrumar marido. Era uma guerreira que sabia o que queria, e envolvia-se cada vez mais com o partido popular para conseguir melhorar sua condição.

Mesmo sendo arisca, a nova Maria não pôde resistir aos encantos daquele exímio líder que conduzia como maestro o movimento que incendiava o coração daquele povo em esperanças. Conseguiu até médicos de cidades vizinhas para ser voluntários, curando e prevenindo diversas doenças que eram incuráveis para aquele povo. E Jesus e Maria encontravam-se escondidos, o único que guardava tal segredo era um dos 12 que mais tinha afinidade com Jesus: Judas.

O problema é que o portador do segredo, apesar de ser um grande idealista, tinha em si o vício do jogo, sua única fraqueza. Trabalhador que era, sempre dava um jeito de pagar suas dívida, mas nunca parava de voltar a jogar e perder. E uma de suas dívidas foi comprada pelo coronelzinho que, tal qual um agiota, utilizou-se da força para cobrar a dívida. Judas não tinha o dinheiro, não tinha como pagar, mesmo vendo o jagunço segurar seu primogênito pelo pescoço. Implorou pela vida do menino, disse ao coronelzinho que qualquer coisa faria para pagar essa dívida, mas que poupasse sua família. Foi então que ele pagou o mais salgado preço.

Jesus chegou ao celeiro, mas sua Maria não estava lá. Havia apenas jagunços, que o prenderam  e o espancaram forte até que ele perdesse seus sentidos. Acordou em praça pública, amarrado em uma cruz, antes que o sol tivesse nascido. A cidade começou a se amontoar para ver, alguns queriam libertá-lo, mas um número grande de capangas do coronelzinho, armados, não deixavam ninguém se aproximar. Então, o mandante de tudo apareceu lá para o meio-dia, açoitando Jesus em praça pública, várias e várias vezes. As duas Marias, cada um em um canto, choravam de desespero ao ver isso. E José, ainda tão impotente, começou a matar o resto de bondade que havia em si e traçou um plano. Pediu uma mula emprestada e deixou o filho a ser açoitado, sem pensar em mais nada.

Quase na hora do pôr-do-sol, Jesus já havia perdido muito sangue. A cidade quase inteira estava nas imediações da pracinha, revoltada, protestando. O coronelzinho, cego de ódio e soberba, não conseguia perceber o que estava acontecendo ali. Humilhava e xingava Jesus, e o açoitava com uma força que já não lhe bastava. Então, pegou um pedaço de pau e bateu no tronco do seu desafeto, até que a força quebrasse suas costelas e perfurasse seus pulmões. Jesus morreria em pouco tempo.

Nessa hora, José retornava com a guarda de outra cidade, um número pequeno de guardas armados, mas que estavam lá para cumprir seu dever.Os jagunços sacaram suas armas, Jesus pendurado na cruz. E, quando a guarda parecia rendida, o povo atacou os jagunços com paus e pedras, e a revolução começou. Nunca a terra daquela pequena província bebeu tanto sangue, mas, no final, o coronelzinho fugiu em seu automóvel deixando para trás seus poucos capangas que ainda tinham vida. Era o som da vitória, o povo estava livre da tirania. Foi quando Maria conseguiu chegar perto do seu filho e constatar que ele estava morto.

Demorou três dias para limpar a bagunça.

E, depois desse tempo, o povo fez sua homenagem ao falecido Jesus, que de cadáver se tornaria busto, herói eternizado por palavras e lendas fantasiosas a seu respeito. O povo finalmente estava livre graças ao seu mártir. José sentia-se vingado, finalmente. Maria, a amante, guardava em seu ventre o fruto do amor que havia perdido na cruz. Já maria, a mãe, essa estava inconsolável. Chorava pelo preço da libertação de seu povo. O preço caro que só ela parecia pagar. Um desejo que um dia já a tomou e hoje era sua maior desgraça, pois, finalmente e tardiamente, ela havia abortado.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

You don't know me

E as portas de vidro de um bar quase vazio revelavam sua semi-depressão num fim de tarde corriqueiro. Sentada no balcão no seu terceiro drink enquanto toda a cidade ainda saía para se arrumar naquele dia cinzento, ela era apenas paisagem para os transeuntes que andavam animados pelas calçadas largas. O cenário era maravilhoso, ao contrário da cena que não era de todo mal. Era de certa forma poética, mas assim daquela forma que qualquer um que a presenciasse ficaria com a alma compadecida. Encarava o conteúdo do seu copo como se ele a compreendesse, e, já meio embriagada, mexia vagarosamente o canudo esperando que o gelo predissesse seu futuro.

Mas isso não iria acontecer.

O pianista chegou mais cedo, e quase por piedade à única cliente do bar naquele momento, tirou cuidadosamente o veludo das teclas e começou e tocar notas com a suavidade e elegância que só seus anos de prática e sensibilidade permitiam. Ela não percebeu o que acontecia, mas, aos poucos, a música foi conduzindo seus pensamentos em outra direção. Parou de encarar o copo e olhou para frente, e começou a reparar naquela paisagem que era o plano de fundo de seu filme. Já tinha cenário e trilha sonora, agora faltava o enredo, o conflito. Que ela procurava desesperadamente através do vidro, e, ao escurecer, encontrou refletido nele.

De repente viu-se bonita ao seu próprio modo. Esguia e bem-vestida, dotada de uma elegância pertencente a poucas. As luzes da cidade lá fora a chamavam, e então, deixou uma gorjeta generosa ao rapaz do bar e, quando estava pronta para sair, percebeu que o pianista, único a enxergá-la, era cego. Riu com a ironia e passou pela porta, ainda com as notas suaves na cabeça, meio dançante, aproveitando que tudo havia mudado.

Com o estômago meio embrulhado pela bebida que não era acostumada a tomar de barriga vazia, ela para numa barraca, compra algo para comer e senta no primeiro banquinho que aparece. A noite traz uma brisa fresca, que espanta um pouco do calor e a faz fechar os olhos por um instante, enquanto seus cabelos voam para trás. Era como se aquela parte da cidade fosse jazz, bela, complexa, elaborada e improvisada. Tal qual seus passos naquele dia incerto e atípico, sua rotina quebrada como o tempo marcado pela bateria.

A noite era uma jam session.

Ela desce as escadas do metrô e, lá dentro, um quarteto de cordas toca feliz, apenas esperando umas moedas como retorno. Ela separa umas notas e deixa na caixa, quando quase esbarra nele, que fazia o mesmo gesto. Os dois riem, encabulados, e se olham pelo tempo suficiente para ficarem ainda mais constrangidos. Quase como um pedido de desculpas, ele tenta arrumar tudo estendendo a mão a ela, convidando-a para dançar num cavalheirismo já extinto no mundo.

E eles dançam como se não fosse nada estranho, como se as pessoas não olhassem e como se o quarteto fosse sua bandinha particular. É quando um barulho ensurdecedor atrapalha o clima, fazendo com que a música suma de seus ouvidos e quebre o encanto do momento. As mãos se soltam, mas os olhares ainda continuam conexos por um tempo. Finalmente ela desvia o foco: seu trem havia chegado. Sem dizer nada, ela vira as costas e entra no vagão. Um pouco antes da porta fechar, ele toma a súbita decisão de entrar também. O sinal sonoro toca e não tem mais volta: agora estão juntos na mesma direção.

E ele não a conhecia. Ainda.



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Kashmir

Eu estou sentado do chão de um canto de um apartamento vazio, tomando um gole de whisky em uma frasqueira. Sozinho, não há móvel em canto algum. O único som vem da rua, da janela aberta. E a rua não tem movimento, com o céu acinzentado há poucos pássaros a cantar. Ouve-se o vento chacoalhando as árvores, passeando pelas frestas da janela e nada mais.

E por incrível que pareça, isso não é tristeza.

As paredes brancas projetam um destino que nunca chega, um horizonte vasto do deserto que atravesso no momento. Não sei o que vou encontrar pela frente, mas sei que é a direção a seguir. Como um viajante guiado apenas pela bússola, curtindo o percurso na aventura de saber onde isso vai dar. As paisagens no caminho são maravilhosas, mas a poeira irrita e o sol queima as retinas. O tempo e o espaço me guiam, e eu sei que cedo ou tarde, no meio do caminho, aparecerá o que procuro.

Não olho mais para trás. E, de repente, ver tudo que já andei não faz mais sentido. Já tomei as lições que deveria, chegou a hora, de aplicar tudo que aprendi em todo esse tempo na estrada. Mesmo acompanhados, sozinhos somos no mundo, numa caçada pelo que nos preenche e satisfaz. Só cabe a nós essa busca, mesmo que tenhamos sempre com quem contar ou a quem recorrer. Só cabe a nós porque a selva é nossa, e a presa apenas é vista por nossos olhos.

De repente, parece que tudo se deslancha, como o fim de um ciclo, que me recobre de esperança e otimismo. As emoções são fortes, e, antes que as coisas aconteçam, a vida oscila entre positivos e negativos extremos, como um sol intenso que queima forte, mas, ao mesmo tempo, dá espaço para suave brisa que acaricia o rosto e diz que devo continuar seguindo em frente no mesmo caminho.

A verdade é que me perderei por diversas vezes. E, por outras incontáveis, eu hesitarei no meio do caminho, darei passos para trás e ficarei parado no tempo. Concluo que, no fim da viagem, eu conseguirei o que quero. Porque posso desconhecer o caminho e o que vem em frente, mas das minhas vontades eu sei. É o que basta para chegar lá.

Fecho a frasqueira, confiro as horas, apoio os braços sobre os joelhos e deixo escapar um pequeno riso.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

All my love

Às vezes, a cadeira do cinema ao lado está vazia. Você acorda sem ter ninguém ao lado, o porta-retratos não tem mais aquela foto, os seus planos não envolvem mais ninguém além de si mesmo. Mas, enquanto pulsa um coração, enquanto somos capazes de sentir alegrias e tristeza, desejos e frustrações, e os cheiros trazem memórias e as memórias trazem sorrisos, isso basta para dizermos que o amor ainda existe.

Um laço invisível pode ser o lado bom do seu dia, as saudades supridas podem fazer com que todos seus problemas mais pesados desapareçam como leves balões de ar que se perdem no céu azul de um dia ensolarado. Aquele pequeno pedaço de memória rabiscado num pedacinho de papel pode evocar o que há de mais humano no seu âmago, nostálgico, com uma pitada de dor mais ainda sim algo gostoso.

Como diria a garota, um beijo e um tapa.

O amor não é apenas realizar nossas mesquinhas vontades e ter mimos, e achar que sempre estamos completos. O amor é sentir falta daquele que não pôde comparecer, é dar o ombro quando aparece uma dificuldade, é tomar alguma decisão irracional que vá salvar você da tristeza. O amor é o que nos diferencia, é o que nos faz não querer vingança nem mal-querer. É sentir tesão em servir alguém, pirar no menor e mais sincero elogio, quando o que vale mais é a simplicidade das palavras do que a grandeza dos adjetivos.

É um sentimento tão abstrato que é o mesmo para várias pessoas de diferente importância na vida, manifestando-se em formas peculiares para cada caso. Tão abstrato que quebra os paradigmas de tempo, pois você já pode ter sentido por alguém que hoje é estranho, e, ao mesmo tempo, irá sentir novamente no futuro por alguém que no presente você nem sabe da existência. E não importa que sua pífia sabedoria diga coisas diferentes, ou se seu louco coração faça com que sinta um grande vazio mesmo que o amor cerque você em todos os aspectos. Dele tudo sentimos e nada sabemos.

O amor pode repentinamente retumbar no seu peito, ou apagar como a chama de uma vela se vai em um sopro. Pode cutucar o tédio num domingo à tarde, pode evocar lembranças gostosas quando você colocar os pés na areia da praia. Mas, de tantos mistérios, uma certeza eu tenho: de todo meu amor eu vivo. Pelo que sinto por tantas pessoas, pelo que faço, pela vida. E pelo que acredito.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Do you remember

Ela não via beleza. Aquele era o dia mais lindo do ano que passava despercebido. Mas ultimamente, para ela, era sempre assim. Enquanto todos a paparicavam e realizavam seus desejos, nenhum conceito mais se fixava na sua cabeça. Tudo era muito pré-definido, e sua programação a dizia estar agindo certo. Havia todo um roteiro a ser seguido, como sempre há, ou como acreditamos que haja. Mas basta uma virada de pescoço para que tudo mude, e assim a vida se reinventa.

Na realidade, fazia tempo que as coisas erradas a conduziam por um fio tortuoso. E mesmo em meio a tal trama embaraçada, ela não se sentia confusa. Não era capaz de ter dúvidas, de se redescobrir, de amar. Para ela era tudo certeza, as mesmas coisas rolando de um jeito diferente. Os novos personagens fazendo tudo igual, alguns conceitos sempre ditando as regras. Mas beleza não é sempre o dia mais ensolarado e azul. A beleza não é sempre da mesma cor, nem sorri da mesma forma. E, enquanto ela não se lembrar, nada vai mudar.

A vida vai continuar parecendo boa e sem sair do lugar. Tudo pode parecer atraente ao redor, mas não tem nada de espetacular. Ela está entediada, e nada a satisfaz. Nem a cama, nem a bebida, nem os cigarros, nem a alta velocidade de queda quando se joga de cabeça em emoções cada vez mais pesadas e artificiais. Porque nada disso é a beleza. E, nessa busca incansável, ela não consegue se lembrar.

Cada ressaca uma memória apagada. Cada dia ela fica mais distante. Cada moeda contada para comprar um novo maço de cigarro ela perde o ponto. Cada roupa nova, cada maquiagem, cada dieta, cada vez que esconde o rosto.

Ela tem vergonha, e por isso não se lembra.

A beleza é simples como um banho de chuva. É simples como um dia cinza que aparece na janela. A beleza é o que agrada, é o sorriso singelo, é a cortesia, é a simplicidade do amor. No dia em que ela esquecer de todos esses conceitos distorcidos, então quem sabe ela se lembre. A beleza não precisa ser encontrada.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

You didn't mean me no good

Chego em casa puto. A escuridão reflete meu estado de espírito. Abro a geladeira, mas seu conteúdo não dialoga com a minha fome. Saio da cozinha insatisfeito e vou para a sala: hoje meu jantar será servido em um copo.

O aroma que sai da garrafa desperta meus sentidos. Tomo um gole suave que esquenta instantaneamente. Lá fora, mesmo sendo mais uma noite ordinária, tudo parece frio. Meu rosto começa a esquentar enquanto me afundo no sofá, perdido em pensamentos enquanto giro o copo involuntariamente.

Sinto novamente seu peso no meu colo. O copo some, estou jogado depois de um dia duro e você está lá, cheirosa e sorrindo. Meu mal-humor desaparece, seus seios tocando suavemente meu rosto conseguem soltar meus tensos músculos das costas e ombros. Você sabe que assim consegue tudo o que quer, e apenas um membro do meu corpo fica rígido. A resposta é um riso malicioso, uma língua no ouvido, em uma hesitação proposital para me beijar.

É o tempo de eu colocar a mão na sua nuca e puxar seu cabelo com firmeza, mas sem brutalidade. Aí você sente que estou decidido e cede, me beija. Seu corpo é quente, mais quente que o 12 anos, mais perfumado que o aroma que sai da garrafa. E eu quero ele com muito mais vontade, mas vou saboreando devagar o momento. Ainda não me dou ao trabalho de despi-la.

Com leves mordidas em sua boca e beijos suaves no pescoço você geme. Já perdeu o controle, já esfrega seu corpo no meu como se fosse o único jeito de fazer o calor passar. Minhas mãos por debaixo do seu vestido sentem a maciez da sua pele, puxando mais seu corpo contra o meu, como se pudesse haver mais contato do que já existe. Marota, você se levanta com um ar inocente e ao mesmo tempo malicioso, erguendo uma sobrancelha enquanto morde a pontinha de um dedo, rindo.

O vestido toca o chão.

Admiro seu corpo mesmo com pouca luz. Já o conheço de cor, cada pedaço maravilhoso dele, cada curva e cada segredo que ele tem pra contar. Nesta hora, é tudo que eu quero e desejo. Então você puxa minha mão e passa sobre a sua barriga, nem muito para cima nem muito para baixo, para que eu decida onde que elas irão passear a seguir. Eu decido ir para baixo, mas antes que possa sentir o calor que há entre suas pernas, volto a mim.

Estou sozinho na sala. A única parte real do meu devaneio é o músculo tenso no meu corpo. Mas que merda. Nesse frio você esquentaria bem a minha cama. Ou meu sofá. Ou meu tapete. Termino de virar minha janta do copo e praguejo. Eu só tive um dia duro.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Poison

Pra ser sincero, eu quase não me lembro de nada. Só sei que os ponteiros do relógio não correspondiam ao tempo. E meu corpo meio que se arrastava, devido às poucas horas de sono. Dormia tão pouco e achava que estava me mantendo acordado, mas estar de pé sem alguma lucidez talvez não seja a melhor definição para isso. E eu sonhava. Num delírio que misturava sentimentos bons e maus, que me consumiam mas também me moviam para frente. A dor chegava de um jeito estranho. Estava anestesiado, mas sabia que doía muito. Mas não me cortava. Não sangrava. Calado eu consumia a dor, em vez de ela me consumir.

Várias vezes cheguei a pensar em escrever aquela carta. A carta de louco no manicômio. A carta de quem sabe que a insanidade está se esvaindo lentamente, a cada grão que cai da ampulheta. Um veneno intenso se espalhava pelo meu corpo e mente, a visão ficava turva, mas no segundo seguinte eu voltava ao normal. A angústia de repente era pó, era cinzas que renasceriam, numa ave de fogo gélido que me queimaria por dentro. E o ciclo se repetia por tantas e tantas vezes que eu não conseguia largar a caneta nem riscar o papel. A ponta da caneta fixa espalhava o preto sobre a folha. O veneno. Maldito veneno.

E eu não me lembro de mais nada. Lembro dessa cena se repetindo infinitamente na minha cabeça. Lembro como se fosse pesadelo, algumas partes recobertas em névoas, outras abraçadas pelas trevas. Eu não me recordo de como cheguei aqui.

Eu sei que me levaram entre doses de bebida quente e fumaça de cigarro. Fui carregado nos ziguezagues da rua, derrubado em sarjetas, e escutava vozes e risos. Mas eu não ria, porra. Eu não achava essa merda engraçada. Eu não sabia qual era a piada. Eu só queria parar de suar frio, dar meus próprios passos. Queria que a febre passasse, a temperatura caísse mas não a ponto de eu virar um gélido cadáver entre velas e incensos. Nunca  soube rezar, mas tive tantos e tantos diálogos imaginários com algum deus e não lembro de nenhum. Minha vista, meus pensamentos, nada mais pertencia a mim. E os malditos ponteiros do relógio mentiam. A todo o tempo. Os tics e tacs me irritavam. Me deixavam louco.

Mas tudo virou silêncio.

Cheguei aqui. Sozinho e maltrapilho. A sensação ruim passou. Podia respirar leve, podia ver o verde das árvores e sentir o calor do sol. Arrisquei sorrir. Arrisquei cantar. Arrisquei dar um passo e depois outro, e comecei a caminhar. A febre passou junto com os delírios. No espelho, meu rosto era o meu novamente.

Mais uma vez no ponto de partida, tudo voltou a fazer sentido. Não sei quanto tempo passou, ou o que fiz nesse tempo. Só sei que algum ou vários milagres me curaram. Só sei que em alguma hora eu precisei me agarrar a algo e segurei forte. Talvez não tenha sido isso a salvação, mas foi o fio da meada da esperança. Agora eu não sei o que fazer. Não tenho planos e também não me importo. Quero apenas colocar meu chapéu na cabeça e dançar na chuva.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

It makes me wonder

Hoje você vai questionar a vida, porque tudo parece torto. Porque suas lembranças estão mais gostosas que o dia de hoje, e nenhuma resposta parece vir há tempos. Hoje, suas horas eram árvores de inverno, secas e sem folha. E a mais leve crítica era vento que roubava o restante de sua beleza. As pessoas passam por você e não reparam, pois não há nada a ser visto. Você é vestígio de vida resumido a quase nada, um objeto quase inanimado que só está em pé por teimosia. E mesmo que as nuvens se abrissem, o azul voltasse com raios de sol e oferecessem todo o calor para que a vida voltasse ao seu corpo, você não aceitaria.

Mal sabe você que, assim que o mundo andar mais um pouco e o inverno passar, voltará a ser bela dama de vestidos sensuais. E em seu corpo que residirá todo o refresco e calor do mundo. Toda a vida e clamor por oxigênio. Porque toda mulher é predestinada a sofrer, embora não seja merecedora. Mas é a mulher que tem o talento de virar o jogo em uma cruzada de pernas. É você que pode ter o olhar mais doce e mais gélido, mas que escolha sempre o lado doce. Só espero que prefira o sonho ao pesadelo, e a ternura tão inocente que cativa mesmo sem propósito.

E eu fico pensando o que é que você está esperando?

O alinhamento bizarro dos planetas, ou talvez o bater de asas de uma borboleta. As areias de uma ampulheta, os ponteiros de um relógio. Alguns dados concretos, ou talvez uma intervenção divina. Ou talvez apenas um motivo para sorrir.

E aqui está ele: um elogio.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

This broken man

Eu sou o sorriso ingênuo da paixão,
que em lençóis puros consolida o pecado.
E que procura na lua uma resposta para o aperto,
mas só acha nela o refletir de um olhar.

E sou o beijo mais sincero e doce,
repleto de vontade e veneração.
A admiração que empresta brilho aos olhos,
o novo cheiro que perfuma seus travesseiros.

Eu sou quem aceita ser torto e quebrado,
quebrado de curvar-se às chances do destino.
Quebrado por ser um sonho que nunca acabará,
mas que por diversas vezes terá gosto de pesadelo.

Eu sou a chuva que inunda os olhos,
as lágrimas salgadas que acariciam o rosto.
Mas nunca deixarei de ser aquela memória boa,
nem me tornarei menos só porque me fui.

Não importa se faço ou não falta,
contanto que na essência eu ainda saiba.
Saiba que sou quebrado e não tenho conserto,
e estarei por aí aos cacos e remendos.

Eu sou o presente tímido dado com sinceridade,
eu sou o beijo de boa noite com sussurros,
eu sou o sonho vivido e prova de sua existência.

Eu sou uma promessa que vai ecoar inúmeras vezes,
até que um dia finalmente se calará.
Mas, mesmo quando o vil momento chegar,
eu serei aquele grande e imenso vazio.
Um vazio como as peças que me faltam.




segunda-feira, 30 de julho de 2012

Drowning

O ar se esvai junto com a coragem. Mas é preciso respirar. Eu quero nadar pra superfície e encher meus pulmões, eu quero emergir mais uma vez, confiante e cheio de crenças, de sonhos. A força é sobre-humana para manter-se longe do fundo, e se isso é tão difícil, que dirá subir, subir tantos palmos. Quando mais eu desço, menos suportável é a pressão. O corpo sente-se cansado, os braços não respondem mais. O jeito com que me debato por ar é ridículo. Não se luta contra os deuses, e o senhor dos mares me mantém nessa posição patética.

Ingenuidade. A gente sempre acredita que tudo é bom, único, insubstituível. Que o mundo tem um topo, que vamos deixar nossa marca. E, no entanto, todo nosso esforço é superficial. Como um pequeno arranhão em toda a imensidão do mundo. Somos formigas, formigas a ser afogadas. Somos o mínimo, o minúsculo, de pulmões frágeis e ossos quebráveis. Somos a vida frágil, crendo que temos o poder da transformação. Somos palavras que são sussurradas no ouvido e depois de um tempo somos esquecidos.

Somos uma mera reflexão pré-óbito.

E então, quando aceitamos tudo isso. Quando nossa existência não faz mais diferença e o corpo cede, por milagre começamos a flutuar. Emergimos sem o menor esforço, respiramos o ar como um renascimento. Enchemos os pulmões, avistamos terra e ousamos sorrir. Sorrimos porque teremos sol, sobra e segurança. Porque descansaremos, enfim, e contemplaremos o mar no seu mais belo ângulo. Teremos um horizonte novo, com abundância de ar, e a água passará apenas a nos refrescar.

Mas quando ousamos sorrir afrontamos os deuses, e nova tempestade surge. Como castigo pela nossa prepotência, como uma lição que deve ser ensinada. Uma tempestade forte, uma demonstração de fúria. Sobrenatural e rápida que chega antes de conseguirmos colocar os pés na areia. Que encobre o sol, que desfolha as árvores e levanta as mais altas ondas, numa força que nos puxa antes que possamos reagir, implacável.

E afundamos novamente.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Wound

Machucam, as palavras doces, o sorriso.
Machuca, a beleza, a ternura pura.
O jeito de andar, o olhar e o cheiro.
E um beijo é quase a morte.

Machuca o jeito que nos viram do avesso.
Que nos amam e nos envolvem.
Que nos plantam memória no coração.
E como conseguem ser tão elas.

A gente tenta viver assim:
como ave ferida que tenta voar,
que sangra, mas se debate inutilmente.
Que tenta fingir que ainda é livre.

Mas, uma vez que flechados,
mas, uma vez que as notamos...
A nossa vida muda para sempre,
porque a beleza fere profundamente.

terça-feira, 12 de junho de 2012

This Time

Às vezes, a flor não se importa com o vaso e a ternura é o prato mais saboroso a ser servido. A chuva vira trilha sonora, suave na janela, enquanto os sonhos acontecem de olhos abertos e sorrir é a única opção. E a valsa pode ser dançada a qualquer som e a passos tortos, desde que haja convite, suave e inebriante quando só se sente o coração bater.

A sinfonia sem maestro que toca ao ritmo desse metrônomo descompassado se chamar amor. Composta por instrumentos peculiares, é verdade, numa peça em que só dois são convidados a participar. E nela cada nota é tocada suavemente no corpo do outro, de olhos fechados, sem precisar de partitura. Todo improviso é bonito, e a sintonia nunca deixa a música desafinar.

Enquanto lençóis ficam amarrotados e as velas queimam lentamente. Enquanto a camisa manchada de vinho repousa sobre a cadeira e a bolsa aberta esparrama seu conteúdo esquecida sobre o sofá. Enquanto as paredes ocultam o mais belo segredo e a lua se enche para engrandecer a noite e um sapato ficou à porta enquanto outro está debaixo da cama, os enamorados se redescobrem, não pela primeira muito menos pela última vez.

Mas é como se fosse ambas. Porque a música segue e os corpos se buscam. E dessa vez os olhos não mentem. O beijo na testa antes do adormecer fala mais do que qualquer diálogo. Ali, postos um diante do outro, não basta o encontro físico: ainda sonharão um com o outro. Porque este é o momento e a vez de eternizar o amor.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

The Sound of Silence

Ele estava sentado só, compenetrado em sua composição, copo de whiskey do lado. Ela chegou quase despercebida, fazendo carinho nos seus ombros, com intenções dúbias. Gostava mesmo de provocar, e tentava chamar atenção. Mas era uma concentração quase impossível de quebrar, e ele tentava ignorar enquanto as provocações aumentavam. Ela sussurrava no seu ouvido, com voz gostosa e com cada vez meno pudor. E uma mordida sutil na orelha o fez parar de disfarçar e entregar os pontos.

Quando ele se levantou, ela retrocedeu fugindo do seu toque. Rindo como menina, se jogou na cama, só de camiseta e calcinha. Sutiã já tirado, a marca das pontinhas dos seios sobressaindo-se à camiseta. E, naquele emaranhado de cobertores e travesseiros, ele se perdeu. Não dava mais para contar o tempo, e as palavras nem precisavam mais existir. Os diálogos existam no olhar, nas bocas que se encontravam e nos pelos que arrepiavam.

Então, no fim das contas ela adormeceu. Ele ficou lá assistindo, e seu braço formigou sob o pescoço dela. Pensamentos iam e vinham, enquanto assistia àquele rosto angelical tranquilo, embalado nos sonhos e ele parecia mais nem existir. Então era hora de puxar delicadamente o braço, cobrir a garota e voltar para sua composição.

Serviu mais uma dose no copo. Pegou mais uma folha em branco. O que viria pela frente?

A memória ainda o arrepiava. Ele voltou ao ponto de partida. Esperando se haveria algum sussurro em seu ouvido mais uma vez.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

The Lemon Song

Ela estava deitada na cama nua, solitária, louca de desejo. As pernas se contorciam enquanto apenas um fino lençol branco cobria seu corpo. Fazia frio, mas ela fervia, e seu movimento na cama fazia o lençol deslizar vagarosamente, deixando um dos fartos seios à mostra. A parte de baixo do tecido ia enrugando até se juntar entre suas pernas, e mesmo com tão sutil peso, o atrito com sua genitália já era o suficiente para arrancar gemidos. Ela desliza as mãos suavemente pelo corto e fecha os olhos, desejando contato. Encosta uma das pernas na parede e se revira, tentando recuperar o controle.

Respira fundo.

Voltando a si, vai para o banho esfriar o desejo. Lava-se com cautela sentindo o aroma daquele sabonete gostoso, e sua pele passa a ter aquele cheiro. Veste-se com todo muito zelo, colocando cada peça com calma e imaginando como elas seriam retiradas no desespero do ardor. Ela ainda não acabou os rituais de se aprumar quando a campainha toca. Está atrasada, mas não se importa... Destranca a porta, aparece com a cabeça e diz para ele que entre. Antes que ele chegue perto, volta para o quarto. Que espere.

Quando sai, cheirosa e deslumbrante, o desejo arde em ambos. Ele segura forte no pescoço dela, enquanto dão um beijo intenso. Os dois corpos se pressionam e entram em atrito, mas eles querem fazer o jogo direito. Há uma garrafa de vinho especial, que ele abre enquanto ela pega as taças. Ele observa as curvas delas se desenhando por baixo daquele vestido branco. Quando ela dá uma leve abaixada, o delírio é grande. Quer puxá-la pelos cabelos, ver seu corpo nu e beijar sua nuca. Precisa sentir a maciez dos seios dela em seus lábios, enquanto o ar foge de seus pulmões. E sentir suas mãos deslizando pelas coxas, indo de encontro à roupa íntima dela. Tentar adivinhar a cor que não vai importar na hora em que estiver despindo peça por peça, devagar para aumentar o desejo, mas desesperado para pecar.

Ela chega mais perto, com as taças. Provocante, quase encosta nele, cheira seu pescoço e deixa as taças sobre a mesa. Ele serve, enquanto ela deixa a parte de cima do vestido escorregar um pouco para valorizar o decote. Solta um olhar provocante, enquanto pega sua taça para brindar. Os dois corações estão acelerados, e a força do desejo dos dois não combina com a delicadeza do vidro que seguram. As taças se encontram, o vinho cataliza ainda mais o desejo. E a noite segue seu roteiro, em uma voraz e deliciosa degustação.

terça-feira, 20 de março de 2012

Love

E nasce uma afirmação que, de tanto repetida, vira senso comum. As pessoas começam a desacreditar que exista uma bênção como o amor, e, de tão mistificado, muitos desistem de buscá-lo, passando a banalizar este sentimento. O amor vira nada menos que mera palavra, e acreditar nele vira ofensa a quem hoje em dia sequer pensa em viver algo tão grandioso. A tendência é mais acentuada na metrópole, onde ninguém tem tempo nem paciência para nada, e procura a salvação nos relacionamentos intensos e descartáveis, o que funciona perfeitamente em diversos casos. Mas isso não prova a inexistência do amor.

Na verdade, o amor tem muito mais provas de existência. É aquele tédio de fim de tarde, é aquele vazio em uma noite de inverno. é o coração palpitando por uma bela desconhecida, é aquela sensação ao acordar de que tudo pode acontecer. É cada dor de cotovelo que a vida traz. O amor é algo tão transcendente que se manifesta até na forma de desconfiança em sua própria existência: há quem refute em acreditar nele por medo das consequências do amor. Porque ele pode não ser recíproco, ser platônico. Ser idealizado.

E quem, a não ser que tenha falhado no amor ou perdido alguém amado, já reclamou de ter vivido um amor na vida? Talvez o amor seja a instituição mais caluniada do mundo. Mais maltratada e, mesmo assim, ainda é a melhor das coisas. De suas consequências é que muitos nascem, e envoltos em sua aura é que muitos amadurecem. O amor embriaga, deixa leve. O amor fortalece, nutre sonhos. E, sim, invariavelmente ele acaba.

Encontrar um amor é ganhar na loteria. Entre milhões de pessoas no mundo, entre tantas possibilidades, de repente nasce uma conexão única, uma fagulha tão intensa que um pedaço de você se transfere ao outro. E isso é irremediável, irrecuperável, mas totalmente compensado em forma de boas e exclusivas memórias. Deve-se saber aproveitar, pois muito se reclama e pouco se ama. Mas sim, o amor existe.

É muito simples em uma tosca afirmação matar e enterrar o amor. Ridicularizar o conceito. Porque o amor é bom demais para ser verdade. E quem já sofreu dele pode pregar suas mazelas como um sacerdote do culto anti-erótico. Pode tentar se transformar em fria rocha para nunca mais ter nenhuma perda, esconder-se no orgulho e em sua pose de superior a tudo isso.

Mas para amar, precisa ter humildade. Precisa saber ceder e perder. Precisa saber chorar de vez em quando e admitir que pulsa um coração com fraqueza. E nunca, nunca deixar de persistir. Porque o amor parece historinha de conto de fadas. Mas ele é real. E, para sobreviver em meio a este turbilhão que devasta vidas, é preciso ser forte. Além de, claro, parar de repetir certas asneiras que dizem sobre ele.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Perfect

Um fio de memória vai percorrendo lentamente toda história vivida. Do final feliz ao começo radiante. E quando chega ao primeiro ponto, é inevitável que se sucumba um pouco. O pensamento não-linear é uma roleta-russa que nos pega de surpresa em momentos inesperados, e, então, ao acordar, um vazio toma o peito lembrando dos dias mais gostosos em que se sonhava abraçado e nada abalaria aquele sutil e suave amplexo.

Foi bom sonhar e viver provido de tal certeza, certeza que não mais existe no futuro, mas sim no pretérito perfeito. Certeza que já alimentou meu coração nos dias mais obscuros e hoje não é mais recurso, é apenas memória. E ficam as lembranças dos lugares fantásticos, dos diálogos, das refeiçoes maravilhosas que dividimos. E todo cuidado e preocupação que dinheiro nenhum paga.

Mas é hora de deixar tudo ir.

A gaiola se abriu e o pássaro voou. E assim deve ser o amor, livre para voar sem asas podadas. Sem feridas abertas. Voar para que se encontre um ninho mais confortável, para que migre e encontre novamente todo calor que se precisa. E de coração desejo que voe bem alto, que seja o pássaro mais belo e líder do bando. Só posso querer coisas boas.

Porque foi tudo perfeito. Do começo ao fim. Do primeiro ao último beijo. Dois como um pássaro belo que canta alegremente. Perfeito.