segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

The ace of spades

Depois que aquela cadela me deixou encrencado com os seguranças do bar e sem meu relógio, eu fiquei mais casca grossa ainda. Se você nasce com um pau, não pode vacilar nunca na vida. O pau te faz macho, mas é uma fraqueza: uma mulher na jogada pode foder tudo e eu acabei caindo na cilada. Sou um cara que sempre aposta alto, não posso ceder assim. E, nesse dia, depois de liberar uma grana e amaciar os seguranças com muita lábia e scotchs, eu decidi que não me abalaria. Ainda recuperaria meu relógio. Era tudo sobre a porra do relógio.

Deu uns dias e eu tava lá, num inferninho que eu sempre ia, que fedia a charuto barato e o couro dos sofás era todo manchado. Duas loiras deliciosas se insinuavam para mim, uma de cada lado, mas eu estava focado. Numa noite em que eu desejei mais que elas se fodessem do que fodessem comigo ao mesmo tempo. Reparei que tinha um rapaz meio punk novinho acendendo um baseado, e já fui dando um tapa na orelha dele. Esses imbecis sempre se acham os delinquentes acendendo o baseado em qualquer biboca, mas é só tomar uns tapas que de punks eles viram hippies. E eu não tenho saco pra hippies.

O viadinho queria mesmo era chorar pra mamãe, mas ele sabia que tava num canto sem leis. Um lugar onde a lei era ser macho, e nesse quesito ele não tinha vez comigo. Acabou vazando na primeira encarada, eu tomei seu lugar naquele imundo sofá. A noite passava e uma morena tentou sentar no meu colo, mas eu recolhi a perna e deixei a vadia cair no chão com drink e tudo. Duas outras meretrizes a ajudaram a levantar, sem sequer conseguir olhar na minha direção. Foi então, nessa bagunça toda, que chegou quem eu esperava.

Ele parecia uma caricatura de filme, com aqueles colares grandes e pesados, cara de bicheiro. Perdia muito dinheiro no pôquer, mas ganhava muito nas ruas. Basicamente sua atividade era pegar os bens que os viciados roubavam por aí e dava uns trocados pra eles fumarem ou cheirarem. De vez em quando vinha uma correntinha de ouro ou um colar de pérolas, alguma relíquia de família e coisas assim, que valiam uma grana. E daí vinha seu real talento: ele conseguia fazer rolo por coisas "limpas" que também valiam grana, e no final tirava um trocado filho da puta. Era capaz de vender a mãe por dinheiro, e eu sabia que era envolvido em várias outras atividades ilícitas por aí. Mas foda-se, isso não era problema meu.

Ele riu e encheu meu copo com um uísque barato que eu tomei só porque era de graça. Se fosse um filho da puta qualquer, teria jogado o conteúdo do copo na cara do imbecil. Mas eu tinha um interesse, então falei pro corno sentar, ele tava rindo pra caralho porque viu a mina cair e disse que, ao ver o burburinho, sabia que era coisa minha. Perguntei se ele se sentia com sorte naquele dia, porque ele sempre respondia a mesma coisa: que sim. E não falhou: ótimo sinal para mim.

Perguntei de um relógio. Ele sorriu, um dente de ouro aparecendo. Puxou a manga daquela camisa ridícula, e mostrou o pulso. Merda! Ele tinha mal gosto mas sabia o que era valioso. O que me dizia que não seria fácil recuperar a porra do meu relógio.

Esperei a hora do jogo. Mesa cheia. A merda era essa: eu não podia eliminá-lo prematuramente, mas alguém poderia fazê-lo por mim. E aí ficaria foda pegar o que era meu de volta. Pra minha alegria, o filho da puta estava mesmo com sorte, mas eu conhecia seu jogo. Saí quando senti que ele estava com a mão boa, mesmo sabendo que a minha seria imbatível. Assim, ele eliminaria o resto e se sentira confiante. No final, ficamos só nós dois na mesa, mas minha pequena desvantagem logo desapareceu: eu estava ganhando.

O flop estava uma merda. Eu tinha uma dupla na minha mão. Uma dupla de ases. Fiz cara de que não tinha nada, e aumentei a aposta. Ele achou que era blefe, claro, e pagou. Chegou o turn. Um valete. O filho da puta soltou um sorriso que eu sabia que ele tinha uma dupla de valetes na mão. Eu tinha mais fichas, então, apostei tudo. Era muita grana, ele não conseguia cobrir a aposta, mas sabia que era questão de honra me liquidar. Eu dei uma provocada, falando que ele não conseguia cobrir, então ele mordeu a isca. Ofereceu o relógio na mesa e eu aceitei. Tudo estava valendo naquela hora, meu relógio, minha reputação, meu orgulho. Foi então que a última carta deu as caras: um às de espadas.

Eu sorri. Mostrei as cartas, sabendo que ele não bateria meu trio. Quando os dois valetes se juntaram ao da mesa minha vitória foi confirmada. Ninguém era páreo para mim, eu jamais vacilaria novamente. Nem pensei em contar as fichas naquela hora, peguei o relógio e coloquei no pulso. Enquanto o abotoava, percebi algo estranho. A sala se esvaziou, as cortinas foram fechadas e o perdedor ainda me encarava. Senti uma presença atrás de mim, então o cheiro daquele perfume me fez parar.

Uma voz inconfundível sussurou no meu ouvido, me parabenizando pela vitória. Eu queria arrebentar a cara da vadia, mas algo me fez parar. Foi então que eu entendi. O relógio não era coincidência. Ela sentou no colo do meu adversário, e os dois riam. Além de pegar travecos, o filho da puta havia armado pra mim. Ele deslizou a mão e eu sabia que não era pra pegar na bunda dela. Virei a mesa sobre eles, me joguei no chão e puxei meu canivete. Quando ele alcançou a arma, eu já rasgava seu pescoço. A vadia da travesti correu, e eu sabia que se não saísse pelos fundos viraria presunto. Mais uma vez, ela se safava e eu ficava com o prejuízo. Decidi que não. Peguei a arma do perdedor, entrei no salão e abri um rombo na cabeça dela. Merda. Eu havia vacilado pela segunda vez naquela semana.

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