quinta-feira, 7 de março de 2013

Girls Girls Girls

Acorda ainda com um cheiro suave de perfume espalhado pelo quarto. Ela está lá, de olhos fechados e sorrindo numa paz que arranca um pequeno suspiro dele. Tem tanto capricho com os cabelos, mas mal sabe que o jeito que fica mais linda é assim: despenteada com os fios espalhados pelo travesseiro. Então ele debruça-se sobre ela e dá um sutil beijo no rosto, para não acordá-la. Em resposta, mostra sutilmente as covinhas de suas bochechas enquanto sonha. E isso faz o dia valer a pena.

Era um dia da semana qualquer. As outras crianças corriam pelo pátio, enquanto eles sentavam tímidos apenas observando as brincadeiras. Ele desliza vagarosamente uma mão em direção à dela, que responde enrubescendo-se. Corada, a menina só pensa em sair de lá, o puxa pelas mãos conduzindo-o até o corredor deserto. Os lábios se tocaram numa fração de segundos, bem sutilmente, e eles não falam mais nada. Cada um vira para um lado correndo, num momento que ficaria marcado para sempre em suas memórias.

Seu pai não pôde ir. Mesmo assim, ela estava sozinha lá na arquibancada, gritando o nome dele mesmo sem entender nada sobre o jogo. Estava cheio de si, era sua primeira final. Coisa besta, brincadeirinha de escola, mas dava sua vida por aquilo. Fez dois gols, comemorou bastante. Para ela bastava essa alegria, esquecia das contas, do aluguel atrasado e do marido desempregado. Foi quando veio uma pancada desleal e ele sentiu uma dor como nunca havia sentido. Ele nunca entendeu como aqueles braços tão delicados o carregaram sozinhos até o carro em tão pouco tempo. Depois disso, nem sentiu vergonha quando ela desenhou um coração em seu gesso.

Por mais clichê que pareça, foi a marca de batom que o entregou. Estava fazendo aquilo há uns dois anos, até que baixou a guarda e se descuidou. Ela chorou, falou um monte, teve nojo dele. Era boa demais, não merecia nada daquilo. Mas ele enxergou tarde demais: apenas quando, de malas prontas, ela anunciou que ia para a casa da mãe. Levou as coisas, mas ficou o perfume, ficaram as fotos, a cama vazia e a saudade. Junto com o táxi foi um pedaço de sua vida.

Queria ficar deitado para sempre naquele colo. Mal conseguia acreditar que um pedaço minúsculo de vida residia ali. Agora os dois formavam um trio. E logo estariam escolhendo nomes, indo a diversos médicos, pintando o até então quarto de hóspedes de azul ou rosa. A vida era linda, e ele deu um beijo mais que apaixonado no ventre dela por isso.

Fechou os olhos e viu seu rosto. Viu seu corpo. Os pequenos detalhes que a faziam maravilhosa: os delicados brincos, a sombra nos olhos que dava uma certa seriedade ao seu rosto, uma seriedade traída pelo seu sorriso. Era meiga, mas a camiseta largada com um corte mostrando o sutiã davam-lhe certa seriedade. Os jeans rasgados entregavam um pouco de sua perna tão delicada. Tênis encardido e batom, uma beleza pra lá de contraditória. Um dia ele a conheceria.

Foi o dia mais duro de sua vida. Depois de vinte anos estava indo para a rua da amargura. Os amigos o convidaram para afogar as mágoas na cerveja, mas ele dispensou. Correu pra casa com vergonha, com lágrimas nos olhos e desespero no coração. No caminho, mal prestou atenção no trânsito, mas seu anjo da guarda trabalhou para que chegasse bem em casa. Já havia anunciado a notícia pelo telefone, mas ainda assim tinha vergonha de abrir a porta. Hesitante para girar a maçaneta, de repente a porta abriu sem seu esforço. A pequena veio pulando em seus braços, o enchendo de beijos como o herói que sempre fora para ela, toda inocente. Então seu coração ficou cheio de coragem e ele entendeu que tudo ficaria bem.

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